Título: Devagar, quase parando
Autor: Camarotti, Gerson e Carvalho, Jaílton de
Fonte: O Globo, 04/03/2007, O País, p. 3

À ESPERA DAS MUDANÇAS

Indefinição sobre reforma ministerial deixa titulares nervosos e paralisa projetos.

Embora a burocracia tenha conseguido manter um ritmo de funcionamento da máquina, a tensão pré-reforma tomou conta da Esplanada dos Ministérios, com prejuízos para ações de setores importantes do governo. O mais longo processo de debate de reforma ministerial dos últimos anos, que já dura 120 dias, tem deixado os ministros interinos à beira de um ataque de nervos, já que não sabem do futuro e, em muitos casos, não podem decidir sobre questões de suas pastas.

Em clima de total indefinição, alguns dos ministros resolveram partir para a reação e tentam mostrar serviço, turbinando suas pastas. Outros paralisaram suas ações, mesmo contando com orçamentos bilionários.

As situações mais críticas ocorrem em pastas cujos titulares já sabem que vão deixar o governo: o da Saúde, Agenor Silva (responsável por um orçamento de R$66,3 bilhões); o do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel (orçamento de R$3 bilhões); e o da Justiça, Márcio Thomaz Bastos (orçamento de R$6,5 bilhões).

Tensão e crise também na PF

Depois que Thomaz Bastos confirmou, ainda em dezembro, sua decisão de sair do governo, a espera pela definição do sucessor fez ferver o caldeirão das disputas internas da Polícia Federal. A sucessão do atual diretor-geral, Paulo Lacerda, que parecia a mais tranqüila dos últimos anos, está ganhando contornos dramáticos, com freqüentes rumores sobre dossiês nas disputas entre os diversos grupos.

- Temos hoje, por baixo, cinco candidatos - diz um delegado da cúpula da PF.

Bastos já alertou Lula sobre os riscos de uma desestabilização interna na PF. Outras áreas do ministério estão quase paradas porque os chefes dos setores não sabem do futuro. De todos os secretários, o único que deve permanecer é o delegado Luiz Fernando Corrêa, da Secretaria Nacional de Segurança Pública.

ANS sem presidente desde dezembro

No ministério da Saúde, por exemplo, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regulamenta os planos de saúde, está sem presidente desde dezembro. O que engessa, em algum grau, as deliberações da agência. O presidente da República é quem escolhe o substituto, mas de comum acordo com o ministro da Saúde. Até mesmo ações rotineiras começam a ser paralisadas. A ANS já adiou uma reunião da Câmara de Saúde Suplementar, e contratações de pessoal também estão suspensas.

Ciente de que deixará o cargo, o ministro da Saúde, Agenor Álvares, vai tocando o dia-a-dia, enquanto questões maiores, como a decisão de quebrar ou não patentes de remédios contra a Aids, aguardam a nomeação de seu substituto - que deve ser o sanitarista José Gomes Temporão, que Lula já escolheu mas ainda não anunciou oficialmente.

- Estamos trabalhando a pleno vapor, com o entusiasmo dos primeiros dias, e não com a sinecura dos últimos - disse Agenor, terça-feira.

No Ministério do Desenvolvimento Agrário, as vistorias em áreas que podem ser desapropriadas estão atrasadas. O ritmo de tartaruga não é por acaso: os superintendentes do Incra não sabem se vão continuar.

- O problema é que os ministros cotados para sair ficam em meia embreagem. Com isso, o governo trabalha em potência reduzida, e os ministros só fazem o que o presidente demanda. Eles não fazem novos projetos porque não sabem se continuam. Com exceção dos ministros fortes, todos os demais ficam na expectativa - lamenta o líder do PSB no Senado, Renato Casagrande (ES), aliado do Planalto.

A expectativa é tamanha que até mesmo ministros que já estão praticamente confirmados no cargo ainda aguardam o anúncio oficial do presidente para tranqüilizar suas equipes.

- Estou dependendo do meu chefe, o presidente Lula. Fico mais ansioso do que ninguém com essa reforma ministerial! - desabafou o ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, figura certa na Esplanada e que já foi cogitado para assumir outra função, a coordenação política do governo.

Em alguns casos, a indefinição do presidente Lula chega a causar constrangimentos. Na última quinta-feira, o titular da Integração Nacional, Pedro Brito, participava de uma sessão na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) no Senado, ao lado do ministro Mares Guia, quando foi duramente cobrado pelo senador Garibaldi Alves (PMDB-RN) sobre o futuro do projeto de Transposição do Rio São Francisco. A situação do ministro Pedro Brito é delicada. Ele deve ser substituído pelo deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), de um estado contrário à transposição.

COLABOROU Demétrio Weber