Título: Em Minaçu, toda família já teve um caso fatal
Autor: Batista, Henrique Gomes
Fonte: O Globo, 04/03/2007, Economia, p. 33

Mineradora descarta novas ocorrências de asbestose e afirma que não existem registros da doença desde 1980.

Henrique Gomes Batista

MINAÇU (GO). Existe uma cidade distante 550 quilômetros de Goiânia, na divisa com Tocantins, onde todos sabem o que é asbestose. Até as crianças. O conhecimento não é por acaso. Minaçu tem a única mina no Brasil de amianto, causador da doença de nome estranho, originado da palavra grega que também designa o mineral (asbesto). Popularmente, ela é conhecida como ¿pulmão de pedra¿. Quem a desenvolve perde o fôlego, sofre com tosses e tem dificuldade para respirar. Essa é a realidade de muitos moradores de Minaçu, mesmo após a legislação que endureceu as regras de exposição de trabalhadores ao amianto no país.

Apesar de conviver de perto com a morte, a maioria dos 35 mil moradores da cidade apóia a extração do produto, realizada pela Sama, que representa a metade da economia do lugar, proporcionando à população local um status financeiro de destaque entre os goianos.

A saúde dos moradores da cidade e dos trabalhadores da empresa ¿ controlada pela Eternit ¿ é bem melhor agora que há 30 anos, quando Minaçu amanhecia coberta de pó branco. Naquela época, era preciso passar um pano nas frutas e nos pães, antes de consumi-los, para retirar o mineral fatal. A Eternit, em nota, diz que mantém o uso controlado do amianto.

Empresa considerou normal caso de funcionário doente

Mas os riscos de asbestose e de morte quase fulminante pelo câncer de pleura ainda existem, e os doentes proliferam em Minaçu, onde praticamente todas as famílias já velaram um parente afetado pelo amianto ¿ a despeito das negativas oficiais. Carmosita Domingos dos Santos, de 47 anos, teve uma experiência ainda mais dolorosa nos últimos seis meses: perdeu o marido e o sogro por doenças relacionadas ao minério.

¿ O seu Isac teve a confirmação do câncer na semana em que seu filho (marido de Carmosita) morreu, em setembro. Ele se foi cinco meses e onze dias depois, dia 5 de fevereiro ¿ lamenta, aos prantos, a costureira.

A dor da perda é ampliada pela postura da empresa, que, segundo Carmosita, sabia dos problemas do marido, mas não tomou providências a tempo:

¿ Se a Sama, na época dos primeiros exames que apontaram um nódulo, tivesse nos avisado, o acompanhamento teria sido outro, e talvez ele ainda estivesse vivo ou não tivesse sofrido tanto.

Carmosita lembra que, em 2003, o exame periódico do ex-funcionário ¿ que trabalhou na Sama de 1976 a 1992 ¿ apontou um nódulo no pulmão. Mas a empresa enviou uma carta afirmando que a situação de Edson era regular. Sem se preocupar com o problema, ele tentou seguir sua rotina. Morreu de câncer generalizado.

A empresa ainda não concedeu a indenização a Carmosita e não reconhece casos novos de doenças causados pelo amianto. Segundo o diretor da Sama, Rubens Rela, nenhuma ocorrência é registrada desde 1980. Para ele, a incidência de câncer de pulmão na cidade está dentro dos padrões nacionais:

¿ Antes disso, tivemos alguns problemas, mas naquela época não sabíamos dos riscos do amianto e não havia no Brasil a cultura de uma preocupação mais efetiva com a saúde do trabalhador.

Rela defende o uso do amianto, por considerá-lo seguro e por acreditar que a campanha contra o mineral não passa de uma disputa comercial das empresas que pretendem fazer caixas d'água com fibras mais caras.

O medo em relação à empresa e o desconhecimento dificultam a confirmação dos casos de doenças. O relacionamento próximo entre poder público e a principal contribuinte da Fazenda municipal é outro entrave.

Moradores que desconfiam de problemas pulmonares são levados à clínica da Sama ou atendidos pelos médicos da empresa. Não por acaso, o gigantesco ambulatório na sede da Sama contém ficha médica, com cópias de raios X, de cada funcionário atual e antigo, de terceirizados e de moradores.

¿ Meu irmão trabalhou lá e já morreu. Já detectaram um nódulo em meu pulmão, mas dizem que está controlado. Para mim, é difícil fazer mais coisa, lutar, não tenho muito acesso. Não posso procurar outros médicos e minha mulher trabalha na Sama ¿ afirma um ex-trabalhador da empresa, que ficou na mina por mais de 20 anos e preferiu não se identificar.

Doentes recebem indenização de R$10 mil

O baiano João da Cruz Santana, o seu Joanino, é da época em que ¿aquela fábrica fazia com que a cidade ficasse coberta daquele pó que parecia polvilho¿, como ele define os primeiros anos em Minaçu. Com dificuldades para respirar e falta de ar em ladeiras há 16 anos, ele reclama um melhor atendimento da empresa:

¿ Eles me pagaram uma indenização de R$10 mil há cerca de dez anos, prometeram um pouco mais e nada sai. Acho que somente uma greve pode resolver isso.

O problema é que falta articulação para atender à sugestão de seu Joanino:

¿ Recebi R$10 mil há dez anos. Não pretendo colocar a Sama no pau (na Justiça). Assinei um papel, tenho palavra, mas a gente tem que contar o que acontece ¿ afirma José Carlos Oliveira, de 75 anos, que tem problemas respiratórios diagnosticados.