Título: No Brasil, o risco de uma desindustrialização
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 04/03/2007, Economia, p. 34

Para Fiesp, mais setores devem encolher no país por causa da política do real valorizado

SÃO PAULO. A indústria de transformação, que responde por 60% da atividade industrial no Brasil, puxou para baixo o PIB em 2006. Depois de variar 1,3% em 2005, avançou pouco no ano passado e não passou de 1,9%. Para o diretor de Economia do Centro das Indústrias de São Paulo (Ciesp), Antonio Corrêa de Lacerda, a indústria de transformação estaria atravessando um processo de "desindustrialização silenciosa", em virtude da combinação de câmbio valorizado e juros reais elevados.

Lacerda relata o caso de "uma grande operadora de telefonia" que realizou concorrência para o fornecimento de equipamentos para uma nova rede celular. Abertas as propostas, ganhou uma empresa chinesa que "não tem instalações locais".

- Do ponto de vista microeconômico, da lógica empresarial, a decisão da operadora de contratar a empresa mais barata se justifica. Mas, para o país, é péssimo - disse.

Para Lacerda, o real valorizado tem "subsidiado" importações de produtos e serviços que poderiam ser realizados no país.

- Existe um equívoco de agenda no Brasil. Se o objetivo é modernizar a indústria, o instrumento mais adequado para estimular a importação de bens não produzidos localmente não é o câmbio, mas tarifas e incentivos localizados, para evitar que toda a estrutura industrial seja afetada - disse ele.

Estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) mostra que o desempenho pífio da indústria reflete em grande parte a crescente valorização do real frente ao dólar, que tem estimulado a substituição da produção local por importados - principalmente da China. Na outra ponta, o dólar fraco também pode afetar as exportações brasileiras de produtos de maior valor agregado.

Escorado em dados do próprio IBGE e do Ministério do Desenvolvimento, o estudo considerou 22 setores, divididos pela classificação "mercado favorável" (basicamente commodities, cuja alta do preço externo tem compensado a defasagem cambial), "mercado estagnado" (fizeram ajustes como corte de custos, mas estão próximos do seu limite) e "mercado em queda" (os que mais sofrem com o câmbio).

Nesta última categoria, que inclui setores como têxtil e vestuário, as importações cresceram entre 11,8% (minerais não-metálicos) e 55,4% (vestuário) em 2006.

Para os técnicos da entidade, o número de setores classificados como "em queda" tende a aumentar na medida em que o câmbio continua exercendo pressão negativa sobre as empresas.

A Fiesp diz que outro efeito é a baixa criação de postos de trabalho na indústria. Considerando só os setores "em queda", houve diminuição do número de vagas em 2006 (de -1,2% a -13%). Mas a situação não é muito melhor quando se considera os setores incluídos na rubrica "mercado estagnado". Pelos dados compilados pela Fiesp, em máquinas e equipamentos a redução do emprego industrial chegou a 6,2% em relação a 2005.