Título: China, de estrela a pedra no sapato do mercado
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 04/03/2007, Economia, p. 34

Analistas da região não vêem razão para pânico, mas EUA alertam para câmbio artificial que desestabiliza comércio global.

PEQUIM. Quando a queda de quase 9% na Bolsa de Xangai derrubou pregões pelo planeta inteiro na semana passada, muita gente se perguntou o quanto da crise era pura especulação e o quanto havia de verdadeira ameaça à quarta maior economia do mundo, com seu Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas produzidas) de US$2,7 trilhões em 2006. Segundo analistas da região, não há razão para pânico. Em carta a clientes, Jonathan Anderson, economista-chefe do banco UBS na Ásia, foi logo acalmando nervos:

¿A situação macroeconômica geral da China permanece estável, com o crédito, a inflação e outros indicadores indo muito bem ¿ nada que indique maiores apertos sobre a economia¿, afirmou.

Sequer a queda continuada nas bolsas chinesas, disse o economista, teria o efeito desestabilizador que se poderia esperar. Primeiro, porque o investidor chinês não se endividou tanto para aplicar no mercado de ações, onde a enorme fatia dos papéis está nas mãos do Estado. E segundo, porque a Bolsa é fração mínima do mercado financeiro chinês: a maior parte da renda está aplicada em depósitos bancários. ¿Ainda não vejo efeito sobre a riqueza dos chineses nem se a Bolsa subir, nem se cair¿, diz Anderson.

O que não significa que a economia chinesa atravessa céu de brigadeiro. O secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, por exemplo, chega na próxima semana a Pequim para alertar novamente o governo da China sobre dois problemas que, segundo os americanos, desestabilizam o comércio internacional. O primeiro é o câmbio ainda controlado do país, com o yuan artificialmente desvalorizado que torna as exportações chinesas imbatíveis.

A máquina exportadora da China ¿ e seu superávit de US$177 bilhões em 2006 ¿ tem sido culpada pelo fechamento de fábricas e demissão de milhares de trabalhadores pelo mundo. A China se transformou no parque industrial do planeta. Mas está sofrendo uma enxurrada de queixas na Organização Mundial do Comércio (OMC) por isso.

O outro problema é o desrespeito à propriedade intelectual, um delito que o governo chinês promete resolver ao mesmo tempo em que os vendedores de bolsas e DVDs piratas se multiplicam feito praga nas grandes cidades do país.

¿ Estamos insatisfeitos com a velocidade com que a China deixa sua moeda se valorizar, seu preço não determinado pelo mercado, e com o desrespeito à proteção intelectual ¿ disse Paulson em Washington. A intervenção do secretário junto ao Congresso americano evitou, até agora, que parlamentares dos EUA adotassem medidas contra importações da China, afetando seriamente a balança do país.

Amanhã, o Congresso Nacional do Povo faz sua reunião anual em Pequim, para tentar limitar o crescimento da China. Fala-se num índice de 8% a 9%, o que, diz o governo, geraria renda e emprego sem superaquecer setores, causando inflação. O problema é que, em 2006, 9% era a meta. E o país cresceu 10,7%.