Título: Terra de beleza e crime
Autor: Casado, José
Fonte: O Globo, 04/03/2007, O Mundo, p. 38

Bela paisagem da tríplice fronteira esconde contrabando, lavagem de dinheiro e terrorismo.

A paisagem é magnética: 275 quedas de água em meio a 250 mil hectares de floresta subtropical. No meio da cortina verde abre-se o Vale das Borboletas, abrigo de 25 espécies catalogadas. A supremacia é das azuis e amarelas.

A mata densa, quente e úmida, sempre está recheada de homens transportando em segredo cargas variadas ¿ de armas a drogas, de eletrônicos a pessoas, imigrantes sem documentos. A rota é a mesma para tudo, assim como o destino comum: Brasil. É a rotina da tríplice fronteira, onde ganham a vida brasileiros, argentinos, paraguaios, imigrantes árabes, palestinos, hindus, chineses, coreanos, paquistaneses e bengaleses.

É possível encomendar, para entrega em casa, um carregamento de fuzis de assalto alemães HK-G3 ( capacidade para até 900 tiros por minuto em velocidade inicial de mil metros por segundo). Sai por US$7 mil a unidade. Metralhadoras antiaéreas têm preço similar.

São quase uma centena de entrepostos entre Pedro Juan Caballero, na fronteira Brasil-Paraguai, e Rivera, na divisa Brasil-Uruguai. Do outro lado da Ponte da Amizade, em Ciudad del Este, funcionam 30.

Fiscalização existe. Concentrados no local mais visível, a ponte, agentes brasileiros vigiam turistas ¿ na maioria pedestres¿ limitados a US$150 em compras. A burocracia brasileira impõe a todos longas filas, sob um sol escaldante.

Nos quatro pátios da Receita Federal apodrecem mais de 12 mil carros e ônibus apreendidos. Na ponte, confisca até o chumaço de fios de cabelo da confeccionadora de perucas. Mas raramente a Receita interfere no atacado, que é dominado por nativos do Brasil e estrangeiros ricos residentes em Foz.

Os negócios são fechados em Ciudad del Este, com pagamentos ¿lavados¿ nos cassinos ao redor do Lago de Itaipu ¿ em noitadas regadas pelos 16 tipos de maltes que compõem o blend do Johnnie Walker Blue Label (US$140 a garrafa).

A economia dessa região de fronteira se move na lógica do submundo, cuja logística inclui despacho via mata, escalas em improvisados portos fluviais, e, dependendo do volume e do valor da carga, entrega direta a partir dos portos de Santos (SP) ou Paranaguá (PR), com papéis legítimos de ¿exportação¿ do Paraguai.

Desde o 11 de Setembro floresce um novo mercado entre Foz e Ciudad del Este ¿ a compra de informações de árabes sobre a comunidade árabe. Paga-se até US$1 mil mensais a informantes qualificados.

Quem banca é o Tesouro americano. O maior financiador é a CIA, mas a agência israelense Mossad também atua na área. Nos guichês pagadores estão órgãos de segurança do três países, entre os quais se destaca, pelas despesas, a Secretaria de Inteligência de Estado (SIDE), da Argentina.

O serviço argentino de informações opera com autonomia e um orçamento de US$100 milhões anuais. Desde o primeiro atentado em Buenos Aires, em 1992, mantém uma ¿base¿ de operações em Foz, integralmente custeada pela CIA ¿ relata o jornalista argentino Gerardo Young no excelente livro ¿SIDE, a Argentina secreta¿ (Planeta, 2006).

Há mais espiões e informantes pagos entre Foz e Ciudad del Este do que garçons nos bares e restaurantes dessas duas cidades. E é constante a vigilância financeira sobre a colônia árabe, para remessas acima de US$500.

Ainda assim, empresários e autoridades locais se surpreenderam quando, numa reunião com o deputado federal Aldo Rebello, em novembro de 2002, ouviram um segredo: o governo sabia que os EUA tinham planejado bombardear a Ponte da Amizade. (José Casado)