Título: CIA e FBI lideraram operação de caça a suspeitos
Autor: Casado, José
Fonte: O Globo, 04/03/2007, O Mundo, p. 38

Dezenas de pessoas foram presas em ações que levaram temor às comunidades muçulmanas brasileira e paraguaia

José Casado

O jato aterrissou na base de Mariscal Estigarribia, construída nos anos 80 por engenheiros militares dos EUA no chaco paraguaio, engolindo quase todos os 3.800 metros da pista (600 metros maior que a principal do Aeroporto Tom Jobim). Vista do alto com os seus 62 metros de largura, hangares, um grande radar e abrigos para soldados, ela sugere um porta-aviões encalhado no meio do deserto.

No chão foram despejados mais de 30 homens e vários contêineres metálicos, que logo se dividiram por um cortejo de furgões estacionados. A maioria tomou o rumo da fronteira com o Brasil, outros seguiram para a capital paraguaia.

Nas 48 horas seguintes, Ciudad del Este foi convulsionada: grupos de homens mascarados e armados com fuzis invadiram hotéis, lojas e casas prendendo dezenas na margem paraguaia do Rio Paraná, onde vivem 350 mil pessoas.

O medo dominou as comunidades de amins (fiéis) sunitas e xiitas - a pequena fatia do Islã instalada à beira do Lago de Itaipu. A colônia é composta por refugiados das últimas cinco décadas de guerras no Líbano, na Síria e na Palestina, parte deles imigrantes sem documentos. Têm expressiva influência no comércio local, mas residem do lado brasileiro da Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu. A maioria religiosa rejeita as interpretações do Corão baseadas na glorificação da espada em perene guerra santa contra os infiéis. Mas os jihadistas encontraram simpatizantes na comum aversão às intervenções dos EUA no Oriente Médio.

Caça a libaneses, sírios e egípcios

Nessa caçada, os agentes paraguaios estavam orientados por estrangeiros, quase todos do Centro de Contra-Terrorismo do FBI - admitiu o chanceler José Antonio Moreno Ruffinelli. Apoiados por analistas da CIA (a central de inteligência americana), seguiam o rastro de dezenas de libaneses, sírios e egípcios que teriam comprado falsos documentos de cidadania no consulado do Paraguai em Miami.

Três dos 16 suspeitos detidos e interrogados nas semanas seguintes estavam classificados como integrantes de facções terroristas islâmicas, aparentemente vinculadas ao 11 de Setembro - contou o ministro do Interior Julio Cesar Fanego, sem identificá-los. O destino deles permanece em mistério.

A tríplice fronteira se tornara um front da improvisada guerra global do governo Bush contra o extremismo islâmico. O mundo se surpreendia com a atomização da ameaça terrorista - pequenas células autônomas semeadas por quatro continentes, em convergência para a integração com a al-Qaeda de Osama bin Laden.

Na ordem-de-batalha dos EUA previa-se a imediata instalação de linhas avançadas de combatentes em áreas suspeitas de refúgio ou apoio com os radicais muçulmanos. O Pentágono, a CIA e o FBI simplesmente decretaram o fim das fronteiras e usaram o poder sem inibições.

A nova campanha militar americana começava com operações encobertas em duas dezenas de países, como previsto em um documento ("Matriz de Ataque Mundial") aprovado por Bush 72 horas antes.

A América do Sul reluzia no plano inicial de batalha por uma questão de lógica: havia nove anos, desde os atentados em Buenos Aires contra a embaixada de Israel e, dois anos depois, contra a Associação Mutual Israelita, que a CIA financiava a coleta de informações nas cidades da tríplice fronteira sobre grupos como o al-Gamma al-Islamiya (Egito), ligado à al-Qaeda, o Hezbollah e seu braço al-Moqawama (Líbano), e o Hamas (palestino).

Apoiada nas polícias e nas aduanas de Brasil, Paraguai e Argentina, a espionagem americana até então acumulara um razoável arquivo de suspeitas sobre meio milhar de muçulmanos, suas organizações empresariais e beneficentes, porém escasso de evidências apresentáveis em tribunais do Cone Sul ou dos EUA.

Agora, já não era uma questão de provas, análises ou evidências, mas de ação - a resposta da potência sangrada.

Ofensiva limitada no Afeganistão

O respaldo dos órgãos de segurança locais foi estimulado por uma verba extra, extraída do caixa de US$900 milhões liberado na véspera pela Casa Branca para a construção de "pontes" com países cooperativos.

Oficialmente, esse dinheiro era destinado ao financiamento de Centros Regionais de Inteligência. Foi plena a colaboração das polícias da Argentina, Paraguai e Brasil - atestou o então embaixador americano em Assunção, David Greenlee.

A nove mil quilômetros ao norte dali, trabalhava-se com gosto de sangue no Pentágono. A fortaleza-símbolo do poder militar americano no último meio século fora um alvo fácil para os terroristas: um Boeing 757 de 80 toneladas em vôo rasante, carregando 20 mil litros de combustível, atravessou paredes e derrubou parte do conjunto de 343,7 mil metros quadrados de concreto e aço - uma construção do tamanho de 45 campos de futebol.

Era manhã de quinta-feira, 19 de setembro, e, no lado oposto ao buraco aberto pelo avião, o subsecretário de Defesa Douglas Feith examinava os planos para a retaliação ao país que hospedava Bin Laden. Os militares desenharam uma ofensiva direcionada e em pequena escala no Afeganistão, com desembarque máximo de 10 mil soldados.

Feith ruminava um cardápio limitado e percebia como eram escassas as escolhas possíveis sobre um território desértico de 650 mil quilômetros quadrados, metade a dois mil metros de altitude.

As montanhas afegãs haviam derrotado sucessivos estrangeiros invasores, registram os livros sobre os fracassos dos impérios russo e britânico, no século XIX, e da extinta União Soviética, no século passado. Restavam tendas e poucos edifícios. O país dos talibãs era um alvo politicamente pouco "visível".