Título: Legislação ultrapassada
Autor: Pinto, Almir Pazzianotto
Fonte: O Globo, 05/03/2007, Opinião, p. 7

Impõe-se, com urgência, a tarefa da reforma trabalhista. A Consolidação das Leis do Trabalho está, em boa parte, ultrapassada por mudanças que se sucedem na economia nacional, como resultado inevitável das transformações pelas quais passa a economia mundial, dominada pela globalização e pela informática.

Um dos Títulos da CLT que pede imediata revisão é o nº VII, que trata "Do Processo de Multas Administrativas", compreendendo prescrições relativas a fiscalização, autuação e imposição de multas, recursos, depósito, inscrição e cobrança.

A matéria fiscalização foi, ainda, objeto dos decretos nºs. 55.841, de 11 de março de 1965, do presidente Castello Branco, e 97.995, de 26, de julho de 1989, do presidente José Sarney, que delimitaram o âmbito de atuação dos srs. inspetores do Trabalho, além de várias portarias baixadas pelos últimos ministros do Trabalho.

Dois fenômenos recentes da economia deixaram de ser, todavia, apropriadamente assimilados pela legislação trabalhista nacional, não obstante as profundas repercussões que nela provocam. Refiro-me ao surgimento de empresas especializadas em prestação de serviços, e à desconsideração da pessoa jurídica, prevista vagamente pelo Código de Defesa do Consumidor e, mais recentemente, pelo novo Código Civil.

A lei nº 6.019, de 4 de janeiro de 1974, disciplinou o trabalho temporário urbano, e a lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983, cuidou da regulamentação dos serviços de vigilância. A terceirização como um todo, porém, continua regida única e resumidamente pelo Enunciado nº 331, do C. Tribunal Superior do Trabalho, aprovado, em caráter de urgência, para atender às regras do art. 37 da Constituição de 1988, como deixa claro o inciso II.

Finalmente, com o acréscimo de parágrafo único ao artigo 442 da Consolidação, o legislador pretendeu - embora de maneira sabidamente inadequada - estimular a utilização de mão-de-obra organizada em sistema de cooperativa (lei nº 8.949, de 9 de dezembro de 1994), o que não deixa de se constituir em estímulo à terceirização.

Competiria à Inspeção do Trabalho, no desempenho das suas nobres e relevantes finalidades, como está no referido decreto nº 97.995, de 1989, realizar levantamento técnico das condições de segurança nos locais de trabalho, proceder à investigação de acidentes do trabalho, observar se são desrespeitados os limites impostos pela Constituição e pela CLT à jornada de trabalho, impedir a exploração do trabalho do menor, observar os períodos anuais de férias, verificar as condições de trabalho da mulher, zelar para que não deixem de ser recolhidas as contribuições do FGTS, impedir que ocorram atrasos nos pagamentos salariais, e assim sucessivamente.

Questões como as relacionadas à desconsideração da pessoa jurídica, e à contratação, por pessoas jurídicas, de outras pessoas jurídicas, para prestação de serviços especializados, não se assemelham aos problemas comumente afetos à fiscalização do trabalho, pois envolvem, como é fácil perceber, produção de provas, análise de contratos, consulta à doutrina e à jurisprudência, até se chegar à solução da causa, segundo as regras imperativas do devido processo legal.

Fazer de forma diferente, pela via unicamente administrativa, quando a possibilidade de defesa é quase nula, importa na quebra do Estado democrático de direito, que concede primazia ao amplo direito de defesa, e ao acesso direto e simples à proteção do Poder Judiciário.

A Emenda oferecida ao projeto que institui a "Super-Receita", destinada a acrescentar o § 4º ao art. 6º da lei nº 10.593, de 6 de dezembro de 2002, não atinge, salvo melhor juízo, tampouco reduz e compromete, a relevância das tarefas reservadas aos auditores fiscais do Trabalho. Trata, apenas, de assegurar às empresas a garantia de que deixarão de ser atingidas por decisões tomadas em caráter liminar pela fiscalização, quando a matéria diz respeito à natureza dos negócios ajustados licitamente entre pessoas jurídicas formalmente organizadas.

Duas providências, a meu ver, deveriam ser adotadas pelo Congresso Nacional, destinadas a pôr paradeiro às intermináveis questões geradas pela má compreensão do fenômeno da terceirização. A primeira consiste na manutenção da Emenda nº 3, em benefício da segurança jurídica, sem a qual os empreendedores se retraem e deixam de investir em atividades produtivas geradoras de emprego. A segunda, na pronta regulamentação das atividades prestadoras de serviços, ou seja, da terceirização, que não devem continuar dependentes das poucas regras contidas no Enunciado nº 331, da Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, resultado da revisão da anterior Súmula nº 256.

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO é advogado.