Título: Ecos do conflito em São Paulo
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Fonte: O Globo, 05/03/2007, O Mundo, p. 18

Assassinato de empresário estaria ligado a atentados no Líbano.

SÃO PAULO. Era uma noite agitada de quinta-feira quando o empresário libanês Mikhael Nassar e sua esposa, Marie Noel Mimassi, estacionaram o Pajero blindado num posto na esquina das avenidas Juscelino Kubitschek e Brigadeiro Faria Lima, um corredor de bares e casas noturnas sempre lotados. Enquanto esperavam a troca do pneu, o homem encapuzado saltou da garupa da moto, sacou a pistola automática com silenciador e deu três tiros em Mike, como era conhecido o empresário. Marie, assustada, começou a gritar e levou sete tiros. O atirador se voltou para Mike, fez mais dois disparos, na cabeça, tirou o capuz e fugiu em um Gol preto.

O crime aconteceu em 7 de março de 2002. O inquérito aberto pela Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) ainda corre sob sigilo e acumula mais de 15 volumes, mas até agora não apontou sequer o motivo do crime, muito menos o autor. Uma coisa, no entanto, é certa. Mike, 39 anos, e Marie, 31, não foram vítimas da violência urbana de São Paulo. O crime está diretamente relacionado à questão árabe-israelense.

No dia seguinte ao assassinato, a Fundação Libanesa pela Paz responsabilizou o grupo extremista xiita Hezbollah pelos assassinatos. A ilação é simples, pois Mike era primo do general Antoine Lahd, chefe do Exército do Sul do Líbano (SLA), milícia cristã que combatia o Hezbollah. Um ano antes, o grupo xiita matara o coronel Akl Hashen, segundo na linha de comando do SLA. Mas também existem evidências que levam ao Mossad, o serviço secreto de Israel.

Crime foi premeditado, segundo investigadores

Indícios colhidos pelo DHPP mostram que o crime foi premeditado. Pouco depois de sair de casa rumo a um jantar no Clube Paineiras, no Morumbi, Mike ligou para um segurança. Ele desconfiava que estava sendo seguido. A certeza veio com o disparo que furou um dos pneus. Orientado pelo segurança, Mike continuou dirigindo até a avenida, onde fez uma brusca conversão proibida para chegar ao posto. Um frentista percebeu que o estepe também estava furado.

Quatro dias antes do crime, a mãe de Mike veio do Líbano para uma visita. Na lista de passageiros do vôo da KLM que a trouxe da Holanda para São Paulo, havia nada menos do que nove homens de origem árabe cujos nomes constam de uma lista da Interpol de procurados por envolvimento com o terrorismo. Todos vinham pela primeira vez ao Brasil. Dois deles foram embora no dia seguinte aos assassinatos. Antes que o crime completasse uma semana, todos haviam saído do país. Alguns pela fronteira com o Paraguai.

Mas o passado de Mike leva a outras pistas. Ele era o único sobrevivente das três testemunhas capazes de confirmar a responsabilidade do ex-premier de Israel Ariel Sharon no massacre no campo de refugiados palestino de Sabra e Chatila, em 1982.

Mike, seu sócio Jean Ghanem e o deputado Elie Hobeika integravam a guarda do Partido Falangista, milícia de inspiração nazi-fascista criada por cristãos libaneses nos anos 50, e que, sob proteção e ordem de Sharon, executou o massacre.

Empresário investigado por enriquecimento

Pouco mais de dois meses separam as mortes dos três. Ghanem morreu num acidente automobilístico em Beirute. Hobeika, vítima de um atentado a bomba dois dias depois de ter concordado em depor contra Sharon, que nunca foi julgado pelo massacre.

Em junho passado, a polícia do Líbano prendeu o libanês Hussein Al-Katib, que confessou ter matado políticos a mando do Mossad.

¿ A forma como o crime (do casal) foi executado é típica do Mossad ¿ disse um consultor de segurança com acesso ao caso.

Mike era traficante de armas. Quando a guerra civil do Líbano acabou, em 1990, ele vendeu as armas entregues pelos falangistas a milícias croatas que lutavam na guerra do Kosovo. Antes de morrer, segundo empresas de segurança estrangeiras no Brasil, ele vendia munição para a narcoguerrilha colombiana. Além disso, tinha ligações com traficantes libaneses.

Em 1997, uma corte libanesa instaurou inquérito para averiguar o súbito enriquecimento de Mike que, então, somava mais de US$100 milhões. Ele se refugiou no Brasil, onde abriu uma construtora de apartamentos para o governo de São Paulo. Pouco depois se viu envolvido em outro escândalo.

A Construtora Nassar comprou por R$300 mil uma gleba desapropriada pelo governo do estado por R$4 milhões para a construção do Rodoanel Mário Covas. Ano passado, o DHPP encomendou auditoria na Construtora Nassar. O patrimônio era de R$27 milhões. Mas o que intrigou os investigadores foi o fato de nenhum parente ter reivindicado a herança até a morte da mãe de Mike, ano passado.

¿ A mãe falava que não queria porque era dinheiro amaldiçoado ¿ disse um investigador.

Após quase cinco anos de investigações, o destino mais provável do inquérito é o arquivamento.