Título: Morre Dom Ivo Lorscheiter, aos 79 anos
Autor: Oliveira, Chico
Fonte: O Globo, 06/03/2007, Rio, p. 15

Chico Oliveira

PORTO ALEGRE. Dom Ivo Lorscheiter, um dos mais fortes oponentes do regime militar, secretário-geral da CNBB entre 1971 e 1979, presidente da entidade de 79 a 1987, e um dos principais porta-vozes da Teologia da Libertação, morreu às 16h de ontem em Santa Maria, a 286 quilômetros de Porto Alegre, após falência múltipla dos órgãos que resultou de inflamação intestinal.

Ele completaria hoje 41 anos de sua ordenação como bispo. Aos 79 anos, D. Ivo havia se aposentado em março de 2004, tornando-se bispo emérito de Santa Maria, diocese que dirigiu por 30 anos.

¿ Ele é um marco, um referencial para os cristãos de hoje e não só do Rio Grande do Sul, mas do Brasil. Era uma voz profética, um homem que teve a coragem de enfrentar aquela situação toda (o regime militar) ¿ disse o bispo Dom Hélio Adelar Rupert, seu sucessor na diocese de Santa Maria.

Dom Ivo morreu no Hospital de Caridade, onde havia sido internado em 25 de fevereiro com isquemia mesentérica, que ocorre quando falta a irrigação no intestino, explicou o cardiologista Luiz Gustavo Thomé. Esse quadro levou à infecção intestinal. Após uma cirurgia, o quadro melhorou, mas na madrugada de anteontem voltou a piorar.

¿ Realizamos nova cirurgia para retirar outro pedaço do intestino, mas como ele estava com insuficiência de vários órgãos, teve choque séptico, queda de pressão e houve morte cerebral por volta do meio-dia ¿ explicou o médico.

O corpo foi velado durante a noite na Catedral de Santa Maria, de onde sairá às 12h para a Basílica da Medianeira, que Dom Ivo inaugurou em 1985. Ele será sepultado na cripta do santuário, ao lado do altar em homenagem a São Ivo.

¿ Estamos esperando mais de 50 mil pessoas, incluindo representantes da CNBB, do governo do estado e da Presidência ¿ informou o padre Silvio Weber, assessor da diocese.

Os problemas de saúde acompanharam D. Ivo desde o nascimento. José Ivo Lorscheiter, nascido em 7 de dezembro de 1927, filho de dois agricultores alemães na localidade de Fritzenberg, no interior de São José do Hortêncio (RS), quase morreu sufocado no momento do parto, porque os médicos demoraram a ver que eram duas crianças. Sua irmã gêmea, Lúcia, nasceu primeiro. O marca-passo ele colocou em novembro de 2005. Há pelo menos 15 anos, era diabético. Ao longo dos anos, foi submetido a diferentes cirurgias.

¿ Foi um homem de grandes, grandes virtudes ¿ resumiu a irmã Cecília, sua enfermeira durante 27 anos.

A principal atividade de Dom Ivo nos últimos meses, e que o levou à biblioteca do Vaticano para pesquisas ¿ onde também teve uma audiência particular com o Papa Bento XVI ¿ era um livro sobre os cem anos da diocese de Santa Maria.

Faltava muito pouco para concluir seu livro. Mas os manuscritos foram entregues semana passada para sua secretária, Marilene Weber.

¿ Ele não queria se consultar e preferia ficar escrevendo. Isso pode ter agravado muito o quadro de infecção ¿ avaliou o médico Luiz Thomé.

Hoje, no enterro de D. Ivo, deverão comparecer representantes de todas as igrejas.

¿ Dom Ivo transitava muito bem entre todas as igrejas e por todos os credos ¿ comentou o padre Silvio Weber.

Foi Dom Ivo que fundou em 1982 o Conselho Nacional de Igrejas, reunindo, além da Igreja Católica, as igrejas Luterana, Evangélica de Confissão Luterana, entre outras.

Até a Anistia, em 1979, Dom Ivo foi um dos principais interlocutores da Igreja com o governo. De 1970 a 1974, fazia parte, por exemplo, da Comissão Bipartite, formada secretamente por religiosos e militares. Ele não temia dar voz às insatisfações da Igreja e da população contra os atos do regime, nem na frente do presidente Emílio Garrastazu Médici.

Insatisfeito com as críticas, disse a D. Ivo, então secretário-geral da CNBB, que se o tom não fosse moderado, os militares dariam aula de religião. ¿Nós não criticamos vocês por aspectos técnicos, mas por aspectos éticos. Vocês fazem coisas moralmente injustas¿, respondeu ao presidente.