Título: Leão aperta o cerco
Autor: Ribeiro, Fabiana
Fonte: O Globo, 06/03/2007, Economia, p. 17

Com informatização do Fisco, erros no IR geram pesadas dívidas para contribuintes.

Na hora de acertar as contas com a Receita Federal, todo cuidado é pouco. Erros e omissões na declaração do Imposto de Renda (IR) podem causar dor de cabeça ao contribuinte por vários anos, transformando-se lentamente em uma pesada dívida com o Leão. E são muitos os casos de pessoas que, cobradas pela Procuradoria-Geral de Fazenda Nacional (PGFN), sequer desconfiavam que estavam em situação irregular com o Fisco.

A arquiteta Ângela Castellan sente no bolso o peso do erro cometido no IR de 1999. Chamada pelo Fisco para prestar informações, Ângela tentou consertar a situação, mas o órgão não aceitou suas justificativas. Em 2006, o equívoco de sete anos atrás havia se transformado em uma dívida de mais de R$21 mil. Em carta, a Receita cobrou o valor e exigia o pagamento em apenas 48 horas.

- Fiquei com medo de perder meus bens e, pressionada, decidi pagar. Em cinco anos, são R$380 por mês para o governo. Um saldo que triplicou. Temi que essa dívida ficasse maior - diz Ângela.

O tributarista Ives Gandra Martins diz que os contribuintes têm prazo para defesa assegurado pela Constituição. A PGFN admite que erros de comunicação podem ocorrer, mas são raros, e que o processo de notificação inclui vários avisos. Somente no último, é feita a cobrança.

Ainda que o contribuinte queira se livrar de uma dívida sobre a qual incidem multa e juros altos (Selic), pagar imediatamente pode não ser a melhor opção. Ao receber uma carta de cobrança, é preciso observar o remetente. Caso seja a Receita, o processo pode ainda não estar em execução. Caso o remetente seja o Poder Judiciário, pode ser um aviso de cobrança judicial, com a execução já iniciada.

- A Receita não tem poder de execução, apenas o Judiciário. O que abre espaço para o contribuinte se defender - disse Sergio Dourado, do escritório Coelho, Ancelmo & Dourado Advogados.

A mãe do engenheiro Roberto Emílio também recebeu carta da Receita que dava prazo de um dia para saldar a dívida. Por medo de execução, a contribuinte começou a pagar a dívida em 32 parcelas de cerca de R$55.

- Em 2005, veio a notificação apontando erro na declaração de 2000. Como a Receita estava em greve, fizemos os cálculos. O Fisco não concordou com as contas. Um erro de R$400 passou a R$1.700 - diz ele.

Casos como esses começam a acontecer mais vezes, diz Juliana Ono, consultora tributária da Fiscosoft. De um lado, diz ela, aparecem erros na declaração; de outro, está uma Receita Federal mais informatizada e que cruza os dados recebidos com várias fontes, o que eleva a chance de detectar erros dos contribuintes.

A aposentada Liana Carlos de Andrade, de 64 anos, foi surpreendida com uma dívida de R$6.323,21 com o Fisco no último dia 28. Ela recebeu uma carta de cobrança da PGFN com prazo de pagamento para o mesmo dia. Caso contrário, penhora. São débitos de 2002 e 2003. Ao tentar resolver a pendência, a Receita lhe apresentou outros débitos.

- Não tenho como pagar. Faço tratamento de câncer crônico e todo o meu dinheiro vai para remédios. Não tenho como comprovar o que paguei - disse Liana, que desde 2006 é isenta de IR por causa da doença.

No caso da empresária Françoise Amaral, o susto foi maior. No último dia 15, uma oficial de Justiça trouxe a notícia de que sua empresa devia R$40 mil à Receita. Para que seus bens não fossem penhorados, o pagamento deveria ser feito até o dia 26. A empresária não reconhece a dívida:

- Essa cobrança se refere a um projeto que usou a lei de incentivo fiscal. Minha advogada entrou com embargo à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Agora é esperar.

Ex-ministro Mailson enfrenta burocracia

Além das pesadas cobranças, a burocracia da Receita pode ser outra pedra no sapato do contribuinte. Este é o caso do ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega. Há dois anos, ele recebeu um oficial da Justiça por causa da falta de declaração em 1988 e 1989 (quando era ministro). A cobrança é de R$3 mil, mas a dor de cabeça continua. Segundo ele, não foi feita qualquer notificação.

- A burocracia me impede de pagar e dar um fim a essa discussão - disse o ex-ministro, que, com seu nome manchado, está impedido de vender imóvel ou obter crédito e vai entrar com mandado de segurança.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ontem que a maior eficiência na fiscalização, o aumento da atividade econômica e a formalização da economia são os principais motivos da elevação da carga tributária em 2006. Segundo levantamento feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a carga em 2006 foi de 39,69% do Produto Interno Bruto (PIB), contra 38,41% em 2005.

COLABOROU Martha Beck