Título: Para ex-diretor do BC, mercados vivem crise
Autor: Santos, Ana Cecília e Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 06/03/2007, Economia, p. 20

Para Ilan Goldfajn, reservas de US$100 bi têm amortecido os efeitos da turbulência no país

Os mercados globais, que sofrem fortes perdas há uma semana, vivem um cenário de crise. Mas, a turbulência atual nem de longe lembra as crises enfrentadas pela economia mundial na década de 1990, como as do México, da Ásia e da Rússia. Essa é a avaliação do ex-diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Ilan Goldfajn, sócio da Ciano Investimentos.

Para ele, as perdas significativas dos mercados - apenas a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) acumula perdas de 10,88% desde o início da turbulência externa, no dia 27 de fevereiro - devem impor um ritmo lento de volta dos investidores estrangeiros:

- As pessoas podem continuar argumentando que esse é um movimento curto (a curto prazo), mas parece ser um processo mais longo. Aconteceram perdas substanciais em um único dia, por isso a recuperação demora mais. As pessoas não voltam a investir nos mercados financeiros tão rápido. O movimento foi brusco, por isso, elas esperam pouco, avaliam, tentam entender, só se sentem confiantes depois - explica.

Mas, para o ex-diretor do BC, reservas internacionais superiores a US$100 bilhões tendem a suavizar os efeitos de uma crise externa sobre a economia brasileira. Para ele, o BC deve dar continuidade à compra de dólares no mercado de câmbio, apesar do custo fiscal elevado. O economista participou ontem do seminário Cenários da Economia Brasileira e Mundial em 2007, no Rio.

- Engordar as reservas faz parte de uma política de precaução do BC, que evita também grandes flutuações no mercado de câmbio. Por isso, o efeito da crise foi tão pequeno no Brasil. O mesmo não teria ocorrido se o BC tivesse parado de comprar divisas há algum tempo. E, para reduzir a vulnerabilidade externa, teria que continuar comprando reservas - avalia Goldfajn.

Carlos Langoni, ex-presidente do BC e atual diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getulio Vargas (FGV), que participou do mesmo evento, evitou falar em crise. Para ele, ajustes como os que ocorrem nos mercados desde a semana passada são invitáveis:

- Não existe mundo sem volatilidade. Os preços dos ativos sofrem desequilíbrios e eventuais ajustes são inevitáveis. A questão agora é saber se o ajuste é transitório ou há uma crise mais grave, que modificará o cenário de desaceleração suave da economia mundial - avalia Langoni, para quem a vulnerabilidade do país é baixa, devido a contas externas favoráveis e a reservas internacionais de US$100 bilhões.

Goldfajn: risco está no mercado imobiliário dos EUA

Para ele, os investidores devem ficar atentos aos indicadores americanos e não à China, país que foi acusado de ter detonado o movimento de correção nos mercados devido a boatos de controle de capitais.

- O que aconteceu na China não foi nada significativo, ao contrário da economia americana, que está desacelerando, o que se refletirá no resto do mundo - diz o ex-diretor do BC, que avalia que o maior risco está no mercado imobiliário americano. - O mercado de hipotecas teve grandes quedas nos últimos meses, especialmente nos empréstimos de segunda linha. E é esse mercado que está no centro da turbulência. Se o valor dos imóveis cai e os trabalhadores perdem empregos no setor, o consumo despenca, desacelerando a economia. Mas, a crise de hoje é muito pequena se comparada à alta dos últimos meses e anos.