Título: Cinzas da Amazônia no gelo
Autor: Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 06/03/2007, Ciência, p. 26

Poluição de queimadas chega a contaminar a Antártica e interfere no clima.

Se as massas de ar antártico interferem diretamente no clima do Brasil a recíproca também é verdadeira. O ar quente que se forma no centro do país chega até o norte da Península Antártica, tornando as temperaturas ali mais amenas. O problema é que não se trata apenas de massas mais cálidas. O Brasil está mandando contaminação das queimadas diretamente para a neve.

¿ As queimadas geram fuligem, matéria orgânica e alguns gases que mudam a composição química da Antártica ¿ afirma o glaciologista Jefferson Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. ¿ O que é gerado no Brasil vai parar na Antártica, não há limite político. Tudo o que é jogado na atmosfera é distribuído por todo o planeta. Isso precipita como neve e vai se acumulando através dos tempos.

O problema é sério explica o pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Alberto Setzer, que coordena a parte de meteorologia do Programa Antártico e também é responsável pelo monitoramento de queimadas:

¿ As massas de ar quente das regiões tropicais aumentam as temperaturas na península de 14 graus Celsius a 15 graus Celsius. Mas as queimadas agregam o transporte de poluentes.

De forma simplificada, a circulação atmosférica consiste no transporte da energia solar excedente recebida pelos trópicos e subtrópicos para as regiões polares, onde o planeta perde mais energia do que ganha.

¿ Essa diferença entre a energia recebida e a perdida é que move a circulação da atmosfera, dos ventos e a dos oceanos ¿ aponta Simões. ¿ Quanto maior a diferença de temperatura entre os pólos e os trópicos, maior a circulação.

Previsão do tempo vai melhorar

O complexo sistema também é o responsável pelo equilíbrio do clima nessas regiões. Se não houvesse ar e água na Terra, as diferenças de temperatura seriam muito maiores. É o que ocorre na Lua, por exemplo, em que as temperaturas podem variar de 100 graus Celsius a 126 graus Celsius negativos.

¿ Por isso, se queremos entender como o clima do planeta funciona temos que ver os dois lados ¿ sustenta Simões. ¿ O que acontece no Brasil interfere na Antártica e vice-versa porque o sistema é todo interligado. Se queremos melhorar os modelos climáticos, temos que entender essas interferências.

Não por acaso, parte dos estudos desenvolvidos por cientistas brasileiros na Antártica busca compreender esses sistemas para aprimorar os modelos climáticos usados no país e, assim, a previsão do tempo.

Surpreendentemente, as massas de ar frio da Antártica não entram nos atuais modelos e, segundo alguns especialistas, essa seria parte da causa dos muitos erros de previsão.

¿ Até pouco tempo essas massas de ar antártico não eram levadas em conta ¿ afirma Alberto Setzer. ¿ Mas, a partir de 2008, os modelos vão passar a incorporar isso, é a nossa grande contribuição e deve ajudar a melhorar as previsões.

Ocorre que as massas de ar antártico têm uma influência muito grande no clima do Brasil. Setzer lembra que a previsão errou quase tudo das vésperas do Natal até o fim de janeiro ¿ o reveillon mais frio, por exemplo, não foi previsto. Isso ocorreu, em grande parte, segundo ele, porque essas massas de ar não foram levadas em conta.

¿ É o ar antártico, quando chega ao Sudeste e ao Sul do Brasil, que provoca a queda de temperatura ¿ sustenta o especialista. ¿ Alguns verões mais frescos, como o que se viu até há pouco tempo, são um efeito do excesso de ar antártico.

Roberta Jansen viajou a convite da Marinha do Brasil