Título: Baudrillard, crítico da mídia e do consumismo
Autor:
Fonte: O Globo, 07/03/2007, Rio, p. 21

Crítico da sociedade de consumo e do espetáculo, o francês Jean Baudrillard foi um dos intelectuais mais midiáticos das últimas décadas. Sua escrita irônica e suas idéias sobre a substituição do real por simulacros fizeram com que sua influência ultrapassasse a academia, a ponto de seu pensamento ter inspirado obras pop como o filme ¿Matrix¿. O filósofo e sociólogo queixava-se constantemente de que suas idéias eram mal compreendidas.

Baudrillard, que morreu ontem de câncer, aos 77 anos, em Paris, nasceu em Reims, na França, em 20 de julho de 1929. Estudou alemão na Sorbonne e trabalhou como crítico e tradutor, tendo vertido para o francês obras de Karl Marx e Bertolt Brecht. Sua tese de doutorado, ¿O sistema dos objetos¿, foi publicada em 1968. Assim como seus dois livros seguintes, ¿A sociedade de consumo¿ (1970) e ¿Por uma crítica da política econômica do signo¿ (1972), a obra era voltada para um estudo semiológico do consumo. Baudrillard afirmava que os objetos não possuem apenas um valor de uso (sua finalidade) e um valor de troca (seu preço), como enfatizados na teoria econômica clássica, mas também um valor de signo, por meio do qual eles atribuem um determinado status aos seus proprietários. Para Baudrillard, esse valor de signo era o impulso determinante das práticas de consumo da sociedade contemporânea, que ele considerava danosas e associava a rituais de destruição de riquezas observados em sociedades primitivas.

Em 1972, Baudrillard começou a lecionar sociologia na Universidade Paris-X Nanterre. Na década de 1980, ele se dedicou cada vez mais a estudar os meios de comunicação e sua influência na construção das relações sociais. Em ¿Simulacro e simulação¿ (1981) ele afirmava que o excesso de informações transmitidas pelos meios de comunicação havia produzido uma erosão do sentido e um apagamento do mundo real. Baudrillard descreveu esse estado como ¿hiperrealidade¿, uma situação em que o mundo real era substituído pelo dos simulacros. Enquanto o signo remete a alguma coisa, dizia, o simulacro é apenas uma forma vazia, sem conteúdo, que não significa nada.

Sua vocação para o hiperbólico e sua escrita fragmentária (para muitos, hermética) resultaram em críticas ao seu trabalho. As reações foram particularmente exaltadas depois que Baudrillard lançou um livro com o provocativo título ¿A Guerra do Golfo não aconteceu¿ (1991). Chamado de revisionista, Baudrillard afirmava no livro que no confronto entre os aliados e o governo de Saddam Hussein o perdedor não havia sido derrotado (pois o ditador iraquiano continuou no poder) e os vencedores não haviam sido vitoriosos. Para o pensador, Saddam não entrou em guerra (pois sequer usou todos os meios bélicos de que dispunha), mas apenas sacrificou a vida de seus soldados para preservar-se no poder. A transmissão do conflito pela televisão, com a repetição incessante de bombardeios e da artilharia antiaérea, havia transmitido ao mundo a falsa impressão de que havia uma guerra em andamento, disse.

Outra intervenção polêmica do filósofo ocorreu após os atentados de 11 de Setembro, que para ele dera início a uma nova Guerra Mundial, ¿a guerra da potência mundial contra tudo que possa resistir, escapar¿, como disse em entrevista ao GLOBO.

¿ Vemos por todos os lugares surgirem as novas religiões, os novos etnocentrismos, as novas questões lingüísticas, formas bastardas evidentemente, ambíguas, mas sempre tentando escapar e redescobrir um território que fuja a essa imensa rede globalizada. Cada indivíduo tem preservado alguma coisa de singularidade. Faço um esquema entre o mundial, o universal e o singular. O universal está esmagado, então a luta hoje é entre o mundial e o singular.

Desordenado e assistemático, o texto de Jean Baudrillard ignorava convenções e contribuiu para que, embora influente, o pensador fosse uma figura à parte no establishment intelectual francês. Em entrevista à revista ¿Época¿, ele definiu assim seu pensamento:

¿ Desenvolvo uma teoria irônica que tem por fim formular hipóteses. Estas podem ajudar a revelar aspectos impensáveis. Procuro refletir por caminhos oblíquos. Lanço mão de fragmentos, não de textos unificados por uma lógica rigorosa. Nesse raciocínio, o paradoxo é mais importante que o discurso linear. Para simplificar, examino a vida que acontece no momento, como um fotógrafo.