Título: É o começo de um novo diálogo. Interessa aos dois
Autor: Martins, Marília
Fonte: O Globo, 08/03/2007, O País, p. 9

Para economista, Brasil está confortável.

Fishlow se diz "cautelosamente otimista" com viagem.

O economista Albert Fishlow, diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Columbia, está cautelosamente otimista. Ele considera que a visita de George W. Bush ao Brasil pode significar o início de novas relações entre os dois países, mas acha que os brasileiros não devem esperar demais de um presidente sem maioria no Congresso americano. "Não vai haver grandes fluxos de dinheiro dos EUA para a América Latina ou para o Brasil. Nem os brasileiros deveriam esperar por isto. O que vai reduzir a pobreza é a adoção de uma política mais eficaz por parte do governo brasileiro", diz Fishlow.

Marília Martins

O que se pode esperar da visita do presidente Bush?

ALBERT FISHLOW: A viagem representa a tentativa do governo Bush de estabelecer novas relações com seus aliados na América Latina, e foi provocada pelo crescente antiamericanismo no continente. É a tentativa de neutralizar esse sentimento e de criar uma oposição ao discurso populista de Hugo Chávez. O Brasil não tem uma política antiamericana, mas tampouco tem política a favor dos EUA. Por isso, está confortável para receber as propostas de Bush e analisá-las segundo seus interesses. Pode ser o início de novas relações diplomáticas e comerciais entre os dois países.

O presidente Bush pode oferecer vantagens comerciais?

FISHLOW: Ele não tem condições de oferecer a eliminação da tarifa alfandegária sobre o etanol brasileiro. O Congresso não aprovaria isso. É preciso que os produtores brasileiros entendam: os produtores americanos produzem etanol a partir do milho e este processo de produção industrial é mais caro que o da cana-de-açúcar. A sobretaxa é a forma de proteger os lucros dos produtores americanos. O que Bush tem a oferecer é ajuda para a pesquisa tecnológica e para a produção, no Brasil e em países da América Central. Isso pode dar uma nova escala de produção para o etanol brasileiro e sinalizar num futuro breve uma redução da dependência do petróleo no continente.

Os centros de produção de etanol em países da América Central, que poderiam exportar para os EUA sem pagar sobretaxa, seriam uma saída para um acordo comercial mais favorável ao Brasil?

FISHLOW: O etanol brasileiro já entra no mercado americano via El Salvador. Mas a escala da importação será discutida, porque os produtores americanos não podem sair prejudicados desses acordos. A ajuda americana é mínima diante do que a América Latina precisa. Não se deve esperar solução mágica de Bush. Ele não terá muito a oferecer.

E a ajuda aos pobres da América Latina?

FISHLOW: Não vai haver grandes fluxos de dinheiro dos EUA para a América Latina ou para o Brasil. Nem os brasileiros deveriam esperar por isto. O que vai reduzir a pobreza é a adoção de uma política mais eficaz por parte do governo brasileiro de aumentar os investimentos, reduzir os juros, investir em educação, aumentar a poupança doméstica. Isso sim ajudaria muitíssimo a reduzir a pobreza e a miséria, porque permitiriam uma maior crescimento.

Mas a pobreza no Brasil vem sendo reduzida.

FISHLOW: Sim. A política do Bolsa Família foi importantíssima para esse resultado e permitiu que Lula fosse reeleito. Mas não basta. É preciso investir em educação, e sobretudo na qualidade dessa educação. É preciso fazer o país crescer. Esse é o grande desafio atual. .

Pode haver acordo comercial em outros itens?

FISHLOW: A idéia de um acordo bilateral entre EUA e Brasil é muito antiga. Mas duvido que uma abertura maior do mercado americano esteja na mesa de negociações. E não interessa no momento ao Brasil porque o obrigaria a rever sua política favorável ao Mercosul.

E por que o senhor se considera um otimista?

FISHLOW: Lula visitará os EUA em março, e novas rodadas de negociação estão por vir. É o começo de um novo diálogo. Interessa aos EUA e ao Brasil que haja um novo líder na América Latina, e que o Brasil ocupe esse lugar de liderança.