Título: Lei antiterrorismo à vista
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 10/03/2007, O Mundo, p. 35
Governo brasileiro quer alternativa a legislação da ditadura e Abin busca autorização para escuta.
Oraço da lei vai ficar um pouco mais longo, para apanhar um tipo de criminoso antes ignorado no Brasil. O governo finaliza projeto que propõe a criação de uma legislação antiterror no país. Se a idéia prosperar, a Justiça ganhará instrumentos mais eficientes para processar cidadãos como o líder sem-terra Bruno Maranhão, que em junho passado comandou a invasão e depredação do mesmo Congresso que agora receberá a proposta da Casa Civil.
A invasão, além de vidros quebrados, portas blindex e computadores destruídos, deixou um saldo de 26 feridos. Denunciados pela antiga Lei de Segurança Nacional (LSN), ainda em vigor, Bruno e os demais invasores ficaram pouco mais de um mês presos. Meses depois, o líder foi visto circulando pelo Palácio do Planalto.
- O problema é sério. O Brasil é signatário de 12 convenções internacionais de combate ao terrorismo, das quais já ratificou 11. Mas, no terreno das leis internas, estamos defasados. A lei ordinária (LSN) é extravagante e desatualizada. Quando ocorre algo, é usada por falta de outra mais apropriada - alerta o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Márcio Paulo Buzanelli.
Quebra de sigilo em alguns casos
Em outra frente, a Abin busca o aval do Congresso para fazer gravações telefônicas e escutas. A agência enviou, no fim do ano passado, ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência proposta de emenda à Constituição que lhe permitiria monitorar telefones, desde que autorizada pela Justiça - possibilidade hoje restrita à polícia judiciária.
- Sem essa possibilidade, estamos entrando num ringue, com um único braço, para enfrentar um adversário de dois braços. Fica difícil vencer - diz Buzanelli.
A quebra do sigilo telefônico, de acordo com a proposta, seria exclusivamente nos casos de terrorismo e espionagem. O diretor-geral da Abin reconhece que a proposta causará polêmica, mas a considera imprescindível para garantir a eficácia de suas atividades. É seu desejo que a PEC (Proposta de Emenda Constitucional), a ser encaminhada ao Congresso, permita que a agência peça autorização para a escuta diretamente aos tribunais superiores, em Brasília, evitando assim a participação de juízes de primeira instância:
- Certas investigações merecem toda a cautela possível.
Buzanelli explicou que o primeiro passo para preencher a lacuna na legislação penal, no que diz respeito à tipificação de crimes de terrorismo, foi dado em 2003, com a divulgação da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro e Recuperação de Ativos (Enccla). Na ocasião foram estabelecidas 42 metas, uma delas a previsão de o Brasil contar com legislação atualizada contra o terrorismo.
O jurista Alberto Zacharias Toron, membro do Conselho Federal da OAB, disse que o Brasil pode até não precisar agora de uma lei antiterror, mas não considera inconveniente que se aprove logo algo neste sentido.
- O Código Penal de 1940 previa a figura do seqüestro. Na época, era impensável um caso de seqüestro. Todavia, décadas depois, o dispositivo legal foi amplamente aplicado - disse.
Outra preocupação da Abin é a falta de coordenação das atividades antiterror no país. Na tentativa de unificar os esforços neste sentido, a Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo propôs a criação de uma autoridade nacional contra o terrorismo e um centro de coordenação de ações de todos os órgãos. Para Buzanelli, as instituições públicas atuam hoje desordenadamente.
- Podemos perceber um momento de total falta de coordenação. O Estado não agiu na velocidade esperada. Por isso, temos de trabalhar com antecedência para evitar. Se ocorrer, não seremos atropelados.
A autoridade nacional será responsável pelo gerenciamento de medidas antiterroristas, tropas especiais e um centro de processamento de dados que integrará informações geradas pelas diferentes forças militares, policiais e de inteligência.
LSN é considerada ultrapassada
O grupo de trabalho que formulou o projeto para autoridade nacional acompanha hoje a evolução do terrorismo em geral (financiamento, terrorismo químico, biológico, nuclear, prevenção e medidas de segurança em andamento no mundo). O conteúdo do projeto não foi divulgado, mas entidades da sociedade organizada temem que o alvo da legislação vá além do combate aos terroristas e atinja movimentos sociais, como o MST.
- A invasão do Congresso pelo grupo de Bruno Maranhão é um fato extremamente raro. O terror não é um problema para o país. Por isso, considero ridículo que o Congresso perca tempo com isso. Não vejo qualquer necessidade de se aprovar uma lei antiterror - diz o ex-ministro Francisco Resek.
Resek reconhece, todavia, que hoje o Brasil só conta com a aplicação da Lei de Segurança Nacional (LSN) para reprimir ações da criminalidade organizada. Esta possibilidade divide especialistas em direito penal. Criada na ditadura para coibir crimes políticos e proteger o regime, a LSN tem dispositivos genéricos que permitem enquadrar condutas diversas, de acordo com a interpretação. Apesar de permitir um aumento de penas para ações criminosas, a LSN é considerada por muitos ultrapassada, porque feita para combater esquemas criminosos menos sofisticados. Além disso, o estigma de lei da ditadura impede que ações prosperem no Judiciário.