Título: Sem reduzir subsídio não há acordo
Autor: Celestino, Helena
Fonte: O Globo, 11/03/2007, O País, p. 3

Chanceler diz apostar que, após visita de Bush, negociação sobre o etanol avançará.

"Sem redução de subsídio, não existe acordo, e Bush sabe disso", diz o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao fazer um balanço da visita do presidente dos Estados Unidos ao Brasil. Pode parecer uma avaliação pessimista, mas é exatamente o contrário: na sexta-feira, no fim de um exaustivo dia de negociações ininterruptas com os americanos, a diplomacia brasileira estava quase eufórica. Mesmo dizendo que ainda não tinha digerido todas as informações, Amorim apostava que no próximo encontro entre Luiz Inácio Lula da Silva e George W. Bush, em Camp David, no fim do mês, os dois terão boas notícias a contar um ao outro. "Neste período, eles conversarão com outros líderes, provavelmente falarão no telefone um com outro, e haverá avanços", disse Amorim a jornalistas no Hotel World Trade Center, depois de se reunir com Lula e outros ministros, numa suíte do Hilton - onde Bush se hospedara - para uma avaliação dos encontros.

Ao lado do novo embaixador brasileiro em Washington, Antonio Patriota, o ministro procurou minimizar o espaço ocupado pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez, nas negociações entre Brasil e EUA, mas contou que Lula deixou claro para Bush a importância da integração dos países da América do Sul e das reformas que estão acontecendo deste lado do continente. "Lula disse que todos os presidentes precisam de ajuda, mas ajuda não é dar esmola", disse Amorim.

Helena Celestino

Que avaliação o senhor faz da visita do presidente Bush ao Brasil? Algo significativo mudou?

CELSO AMORIM: O presidente dos Estados Unidos, com capacete da Petrobras, com a placa atrás de biocombustível e biodiesel, isso é o melhor resumo dessa visita. Quem, como eu, acompanhou a campanha do petróleo é nosso pode avaliar o impacto disso. É também importante o reconhecimento, pelos americanos, da liderança do Brasil. Tanto Bush quanto Condoleezza (Condoleezza Rice, secretária de Estado americana) repetiram várias vezes a palavra "estratégica", referindo-se à relação dos Estados Unidos com o Brasil.

Estratégica do ponto de vista político? Em que momento o presidente venezuelano, Hugo Chávez, entrou na conversa?

AMORIM: Não entrou. Talvez tenha sido falado incidentalmente. Chávez não foi o assunto. Os principais assuntos foram o biodiesel e a OMC.

O presidente Lula fez declaração de princípios sobre a relação do Brasil com a Venezuela e a Bolívia?

AMORIM: O presidente Lula falou muito da América do Sul, da importância da integração, destacando que todos os presidentes estão empenhados em reformas. Todos precisam de ajuda, e ajuda não é dar esmola. A Bolívia entrou na conversa também, e ele (Lula) defendeu a necessidade de manter uma atitude aberta e positiva, ressaltando que isso é parte da estabilidade da região.

O presidente Bush sinalizou, em algum momento, com a disposição de reduzir os subsídios à agricultura?

AMORIM: Não haverá conclusão da Rodada de Doha sem a redução dos subsídios. Ele sabe disso, não é preciso dizer dessa maneira. Claro que cada um tem a sua visão do que é principal. Ao dizer que cada um tem de fazer a sua parte, ele sabe que cabe a ele reduzir os subsídios. Os presidentes Bush e Lula mostraram uma disposição grande de avançar nas negociações.

Mas isso eles já vêm dizendo há muito tempo. O que houve de novo?

AMORIM: É um impulso. Os dois presidentes juntos, o Bush declarando que Brasil e Estados Unidos devem liderar as negociações na OMC, destacando que, se o Brasil e os Estados Unidos chegarem a um acordo, tudo fica mais fácil. Para bom entendedor, meia palavra basta...

O presidente Lula pediu o fim da sobretaxa do etanol (cobrada pelos Estados Unidos sobre o álcool do Brasil)?

AMORIM: Neste caso, o mais importante é a mudança de cultura. Quando você passa a tratar o etanol como uma commodity e não como um produto agrícola, a sobretaxa vai ficar insustentável. Nós vamos continuar a batalhar pelo fim da sobretaxa nos foros adequados, na própria Organização Mundial do Comércio (OMC).

Na sua opinião, a importância da visita foi mais simbólica?

AMORIM: Simbolismo é extremamente importante na política. Mas é mais do que isso: é o começo de uma grande história. Nesta visita, o foco foi etanol e biocombustível. Isso foi visto como uma parceria importante para os dois países, para o mercado global e para ajuda a outros países. O Brasil desenvolver uma cooperação com os Estados Unidos na África é importante, quando se pensa numa perspectiva de longo prazo.

O que ficou combinado para a visita de Lula aos Estados Unidos no fim deste mês?

AMORIM: Ainda estamos digerindo tudo o que aconteceu. Algumas coisas estarão mais adiantadas sobre a OMC, por exemplo. Eles combinaram de conversar com outros líderes e voltarem a se falar por telefone. Lula vai conversar com o Blair, e é quase certo que Lula e Bush voltem a se falar por telefone. Sobre o etanol, depois de tudo o que conversarem, vamos ter de trabalhar para apresentar alguma coisa mais concreta. Pegar algum investimento já existente do Brasil na Jamaica e em El Salvador, por exemplo, e chamar alguma empresa americana para se associar e aumentar o investimento.