Título: A energia da volta ao campo
Autor: Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 11/03/2007, Economia, p. 33

Eletrificação faz moradores das cidades retornarem à área rural e contém êxodo.

"Muitos me admiram por ter voltado para a roça. Mas isso não é motivo, porque o trabalho na roça é muito abençoado, porque plantamos o alimento", afirmou, com orgulho, Valter Rodrigues dos Reis, enquanto colhia espigas de milho em sua pequena plantação no sítio em Guiricema, na Zona da Mata de Minas Gerais. Depois de morar durante 36 anos em São Bernardo do Campo (SP), trabalhando como operador de máquina em uma indústria química, Rodrigues, de 56 anos, realizou seu antigo sonho, ao se aposentar, e voltou a sua terra natal, em Minas, para se tornar um pequeno agricultor. Isso foi possível, segundo conta, com a chegada da energia elétrica há quase dois anos a seu sítio na zona rural, distante mais de 15 quilômetros da cidade, aonde o acesso é feito por uma estrada de barro.

A família Rodrigues não está só. Um levantamento que o Ministério de Minas e Energia está concluindo mostra que o exemplo dos Rodrigues se multiplica pelo país. O objetivo é avaliar o impacto do programa de universalização Luz para Todos, iniciado em 2004, entre os beneficiados. A pesquisa, que o GLOBO antecipa com exclusividade, revela, entre outros dados, que 23,5% das pessoas beneficiadas já teriam abandonado o campo se não tivessem energia.

O Ministério de Minas e Energia, coordenador do programa de universalização rural, assim como as distribuidoras de energia que executam o programa, apesar de não terem ainda um levantamento sobre o fenômeno, vêm constatando a ocorrência de numerosos casos de pessoas que estão voltando ao campo por causa da chegada da luz.

- As informações que recebemos das concessionárias e dos agentes são de que está acontecendo um movimento de retorno ao campo em Rio, Sudoeste de São Paulo, Goiás, Chapada Gaúcha - confirmou Paulo Tadeu D"Arcadia, de Furnas (maior geradora de energia do país), e coordenador do programa Luz para Todos do Sudeste e de Goiás.

Gelson Ramos de Oliveira e sua esposa, a carioca Rosângela, também fizeram como Valter Rodrigues: voltaram para o interior. A esposa trabalhava no comércio no Mercadão de Madureira, onde conheceu Gelson, que era gerente de uma pizzaria. Ao saber que poderia ter luz no pequeno sítio comprado em Cataguases, na Zona da Mata de Minas Gerais, o casal vendeu tudo o que tinha e retornou para a terra natal. Construiu sua casa, já tem oito cabeças de gado e começou a plantar milho, feijão, aipim, amendoim e diversas hortaliças.

- Eu nasci aqui, e meu sonho era voltar. Agora tenho planos para aumentar minha plantação, quero comprar uma picadeira (para cortar capim) - disse Oliveira.

No Acre, 11% conhecem pessoas que voltaram por causa da luz

As histórias dos brasileiros Rodrigues e Oliveira são apenas duas entre os inúmeros casos que a Companhia Força e Luz Cataguazes Leopoldina, distribuidora que atende a 66 municípios na Zona da Mata mineira, já constatou desde o fim do ano passado, quando concluiu a eletrificação de nove mil residências, conforme previsto no programa Luz para Todos.

O diretor do programa Luz para Todos do Ministério de Minas e Energia, José Ribamar Santana, informou que o plano prevê levar energia a dez milhões de brasileiros até 2008. Desses, 5,4 milhões foram atendidos. Dos investimentos totais do programa de R$12,7 bilhões, já estão contratados R$7,2 bilhões em projetos. Os custos são divididos entre governo federal (cerca de 71,5%), distribuidoras (14,7%) e governos estaduais (13,7%).

- Um indício forte desse movimento de volta ao campo é que, em várias regiões, o número de pessoas a serem atendidas pelo programa de eletrificação rural tem aumentado 30%, 40% e até 100% em relação aos números iniciais. Em Minas Gerais, por exemplo, o número inicial, de 105 mil, passou para 170 mil -- destacou Santana.

No Estado do Rio, a distribuidora Ampla tem a meta de levar luz a 8.326 residências no interior. Até o fim deste ano, as 4.200 casas que ainda não têm energia serão atendidas. A garantia foi dada pelo diretor de Relações Institucionais da Ampla, André Moragas, ao informar que recebeu mais dois mil pedidos.

A luz mudou a vida das 188 famílias do Assentamento Celso Daniel, em Macaé, no Rio. José Ribamar Coelho, conhecido como Gaúcho, que participa da luta das famílias desde o início, conta que, com a chegada da energia elétrica, o grupo começou a plantar. Eles criaram uma associação, e seus produtos, vendidos na cidade de Macaé, têm a marca Sabor da Roça.

- Nossa luta começou pela terra, depois pela luz. Agora a luta é pela produção, que queremos ampliar e melhorar com a compra de máquinas - disse Gaúcho.

Segundo Santana, diretor do ministério, ao se levar luz à área rural promove-se desenvolvimento, com a ampliação das atividades econômicas. Dados inéditos da pesquisa mostram que 11% das pessoas entrevistadas no Acre conheciam pessoas que voltaram para o interior quando a luz chegou. Do total dos entrevistados que tiveram acesso à energia, 43,7% têm televisão e 36,8%, geladeira.