Título: 'Segurança é essencial para desenvolvimento'
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 12/03/2007, Economia, p. 18

Carlos Lopes, subsecretário-geral da ONU, alerta para os efeitos da violência e propõe mudanças no Bolsa Família.

O economista Carlos Lopes é um especialista em desenvolvimento que conhece bem o Brasil. Ele foi representante do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) no país até assumir o cargo de subsecretário-geral da ONU e cuidar dos assuntos políticos no gabinete do ex-secretário-geral Kofi Annan. Agora, cuidará do Instituto das Nações Unidas para a Formação e Pesquisa, em Genebra. Esta semana, ele lança no Brasil a versão em português do livro "Desenvolvimento para céticos", escrito com Thomas Theisohn. Lopes vê avanços sociais no país, mas alerta para os efeitos da violência no desenvolvimento: "A segurança é essencial para a criação do emprego".

Luciana Rodrigues

Em seu livro, o senhor cita o Bolsa Escola com o exemplo. O programa serviu de base para o Bolsa Família. Qual é sua avaliação do Bolsa Família?

LOPES: Os resultados do Bolsa Família estão aí para provar que o programa consegue pelo menos quatro coisas: reduzir a desigualdade, diminuir os níveis de pobreza, estabilizar a participação das crianças no sistema escolar e contribuir para uma melhor redistribuição dos recursos públicos. Muitas vezes, no Brasil, o debate é sobre qual é a melhor forma de se gastar recursos públicos. É fazer caridade, passar dinheiro sem criar emprego? Essa é uma pergunta que tem toda a razão de ser. O Bolsa Família, se for um programa que não evolui, será negativo. Mas é injusto apontar o dedo à camada mais pobre da população por receber alguma renda, quando a camada mais rica da população recebeu muita renda, como nos subsídios às grandes empresas. Muitas vezes o dinheiro do BNDES é subvencionado para empresas altamente rentáveis.

Qual seria a evolução necessária no Bolsa Família?

LOPES: É preciso evoluir em relação às condições. Após as pessoas terem recebido, durante um ou dois anos, incentivos para estar no sistema escolar e de saúde, tem que se ir para incentivos relacionados com o empreendedorismo ou outras formas de trabalho, até de natureza cívica, como, por exemplo, limpar as ruas ou ocupar-se de questões ecológicas. Tem que sair do patamar apenas social.

É necessária uma inserção econômica?

LOPES: É preciso ter atividades que integrem o indivíduo ao sistema econômico. É imprescindível que (o Bolsa Família) não se transforme apenas numa coisa caritativa. Isso é bom para os indivíduos, porque lhes dá autoconfiança e auto-estima. As próprias pessoas, num dado momento, se forem sérias, não vão querer se beneficiar sem alguma forma de contribuição que seja digna. Não se pode continuar a dizer "tem que ter o carnê de vacinação em dia, tem que ter seus meninos na escola". Isso tem que evoluir.

O que mais poderia ser feito nesse sentido?

LOPES: É absolutamente indispensável ter programas complementares. A criação de empregos deve ser redirecionada. É preciso que haja incentivos para os jovens e para as camadas mais vulneráveis da população. O mercado de trabalho é bastante exigente hoje, discrimina muito intensamente os que são produtivos dos menos produtivos. A obrigação do Estado é regular o mercado com alguns incentivos.

O governo fez o Primeiro Emprego e tem programas de capacitação de jovens, mas há poucos resultados.

LOPES: O governo caiu no erro, comum no Brasil, que é a dispersão das grandes iniciativas. Há situações nas quais a prefeitura promove a formação para determinado tipo de emprego, o estado dá créditos para a criação de vagas num outro setor e o governo federal cria incentivos para um grupo ainda totalmente diferente. É tudo descoordenado. Muitas vezes no Brasil há essa fragmentação. Uma área em que isso acontece freqüentemente é a segurança pública.

Quais os riscos dessa fragmentação?

LOPES: Hoje em dia há uma tomada de consciência de que a segurança cidadã, ou segurança humana, é fundamental para a criação do emprego e a sua fixação. E também para o desenvolvimento econômico. As áreas mais deprimidas são, normalmente, as áreas com menos segurança pública.

O senhor foi um colaborador próximo de Kofi Annan. Como avalia a gestão do ex-secretário-geral da ONU?

LOPES: Kofi Annan teve um primeiro mandato muito bem sucedido, que lhe rendeu um Prêmio Nobel (da paz). O segundo mandato foi mais complicado porque coincidiu com a Guerra do Iraque. Ele teve de navegar em águas turvas. Algumas das fraquezas institucionais da ONU foram expostas. Mas ele tentou terminar o seu mandato com uma série de propostas de reforma, algumas das quais passaram, outras não.

Quais são as perspectivas para as reformas agora?

LOPES: Em relação à ambição das propostas apresentadas no ano passado, o que passou é equivalente a uns 30%. Ficou muito aquém da ambição do secretário-geral (Kofi Annan). Mas quem aprova são os países-membros, eles são os donos do clube. Este novo secretário-geral (o sul-coreano Ban Ki-moon) tem a ambição de empurrar os países-membros a fazerem reformas. A ONU de hoje não pode continuar a ter regras de 20 ou 30 anos atrás.

É legítimo o pleito do Brasil de participar do Conselho de Segurança da ONU?

LOPES: A reforma do Conselho de Segurança é a mais política e a mais importante. Os países, hoje, não têm a mesma dimensão estratégica e importância econômica que tinham quando a ONU foi fundada. Qualquer país com a dimensão do Brasil tem uma legítima aspiração (a participar do Conselho de Segurança).

"As áreas mais deprimidas são, normalmente, as áreas com menos segurança pública."