Título: Uma cesta menos básica
Autor: Rosa, Bruno
Fonte: O Globo, 13/03/2007, Economia, p. 17

Aumento real do mínimo e mais empregos elevam consumo de famílias de baixa renda.

Oaumento do salário mínimo acima da inflação e a melhora no mercado de trabalho estão provocando uma elevação no padrão de consumo das famílias de classe E e, pela primeira vez desde o Plano Real, essa mudança se mantém com o passar do tempo. A conclusão é do estudo "Mais dinheiro no bolso dos brasileiros", feito pela consultoria Ipsos em 54 mil domicílios no fim de 2006.

Nos últimos três anos, o consumo de 18 das 30 categorias de produtos e serviços pesquisadas pelo Ipsos só fez crescer entre o segmento menos favorecido da classificação usada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em outras cinco categorias, a compra manteve-se estável. As famílias mais pobres estão enchendo a geladeira e a despensa com alimentos mais caros, comprando artigos considerados supérfluos e indo com maior freqüência a salões de beleza e farmácias. Elas também já estão experimentando os avanços tecnológicos no segmento de eletroeletrônicos: em 2006, 1% da população de baixa renda comprou pela primeira vez uma televisão de 29 polegadas.

TV de 29 polegadas em 1% dos lares

A coordenadora do estudo, Daina Ruttul, afirma que o orçamento dos menos favorecidos está apresentando uma folga. É de olho nas classes D e E, pondera ela, que as empresas vão expandir seus negócios. Segundo a especialista, os mais ricos e a classe C mantêm o padrão de consumo em patamar estável.

- Com o aumento do salário mínimo acima da inflação, as famílias mais pobres obtiveram ganho real. Somente no primeiro semestre do ano passado, a classe E começou a usufruir os primeiros indícios de sobras do orçamento. Além disso, a estabilidade dos preços foi um importante fator para o aumento no consumo - disse Daina.

Entre os alimentos pesquisados, a mistura para bolos e tortas está mais presente nas despensas da classe E: passou de 12% dos domicílios, em 2005, para 16%, em 2006. A pipoca para microondas estreou na cozinha dessas famílias no ano passado. Em 2006, o produto chegou a 1% dos lares da classe E. Frango, sorvete, iogurte, adoçante, chocolate em barra e bombom também aparecem com mais freqüência na lista de compras da população de baixa renda.

Os mais pobres estão se perfumando mais e dando atenção maior à aparência, revelou o levantamento. A ida ao salão de beleza, por exemplo, já é realidade para 17% da classe E. Em 2004, o hábito era comum para apenas 12%. O mesmo aconteceu em relação às idas a farmácias e drogarias: citadas por 29% dos entrevistados, em 2004, e por 34%, no ano passado.

- É nítido que as pessoas estão cuidando mais da aparência. E todo esse movimento deve continuar. Os menos favorecidos estão usando cada vez mais protetor solar e perfumes - completou Daina.

A diarista Rosangela Santos da Cruz, que mora em Realengo, no Rio, comprova as informações da pesquisa. No último ano, segundo ela, itens como queijos, carnes, margarinas e sabão em pó passaram a ganhar destaque em sua cesta de compras.

- Gosto de qualidade na hora de comer. Tenho boas clientes. Meu rendimento varia de acordo com os serviços. Além disso, não há grandes altas nos preços dos alimentos. Por isso, consigo consumir mais e melhor. No ano passado, também consegui comprar um televisor de 29 polegadas e um DVD - disse.

Segundo o levantamento, o número de pessoas da classe E com TV de controle remoto passou de 26%, em 2004, para 33%, em 2006.

- O avanço tecnológico está cada vez mais acessível. Com preços menores, devido à produção em larga escala, e oferta de crédito, as famílias de baixa renda estão mais integradas ao mundo moderno. Prova disso é o índice de consumo de celulares: passou de 13%, em 2004, para 30%, no ano passado - afirmou Daina.

Marcio Pochmann, da Unicamp, credita o crescimento do consumo da classe E à estabilidade dos preços e à criação de novas vagas. Segundo o economista, os trabalhadores que ganham salário mínimo tiveram ganho real médio de 5% ao ano entre 1995 e 2006. Além disso, continua Pochmann, 60% das vagas abertas entre 1990 e 2005 foram de serviços ligados às classes mais baixas, como atividade doméstica, segurança, babás, além de autônomos.

- Cerca de 70% da renda é destinada à alimentação, ao transporte e à moradia. O preço dos alimentos subiu menos em relação a outros segmentos. Além disso, o aumento no consumo foi influenciado pelo crédito, já que várias empresas do comércio passaram a atuar como bancos. O programa de renda do governo também beneficiou os 40% mais pobres da população - explicou Pochmann.

O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, reforça a argumentação de Pochmann. Segundo ele, a mudança no padrão de consumo foi beneficiada pelo aumento de 6,7% da massa salarial.

- O crescimento da massa salarial indica que está havendo um aumento na renda real e nos números da população ocupada. Com isso, como as famílias estão conseguindo pagar as contas, passaram a consumir bens de segunda necessidade. Dentro do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o peso de alimentos também é menor, porque os preços sofreram menos pressão - disse Agostini.

Empresas ampliam sua produção

Esse aumento de consumo também impulsionou os investimentos de grandes companhias no país. A Nestlé acaba de inaugurar uma unidade industrial em Feira de Santana, a 110 km de Salvador. O empreendimento, que teve aporte aproximado de R$100 milhões, será destinado inicialmente à produção de massas tipo "lámen" e ao envasamento de achocolatados, cereais e café solúvel. O objetivo, segundo a empresa, é atender à crescente demanda de consumidores emergentes, como são chamados pela multinacional. A companhia registrou crescimento acentuado no Nordeste em 2006, o dobro do restante do país, e espera, para 2007, aumentar ainda mais as vendas na região.

- Atender a esta população é ir além do preço, é entender suas necessidades de consumo - conclui Ivan Zurita, presidente da Nestlé.

Há seis anos a Johnson & Johnson empreende algumas ações para a população de baixa renda. A estratégia inclui o desenvolvimento de produtos especiais a preços acessíveis.

- Temos buscado iniciativas de marketing, como revisão de posicionamento de preço para alguns produtos e criação de novos itens. Foi assim que entramos no mercado de sabonete adulto em 2006, apostando no cheirinho Johnson"s e nos preços competitivos de R$0,69 para conquistar o consumidor - lembrou Maria Eduarda Kertesz, executiva da empresa.

Na Niely, segundo o gerente de marketing João Freitas, as classes mais baixas representam cerca de 55% do poder de compra dos produtos da empresa.

- É um desafio maravilhoso resgatar a auto-estima de grupos sociais menos favorecidos. Adequamos nossa distribuição em pontos de venda para obter bons resultados - disse Freitas.