Título: ONU culpa Sudão por crimes em Darfur
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Fonte: O Globo, 13/03/2007, O Mundo, p. 26
Conselho de Direitos Humanos diz que Cartum orquestrou e participou de massacres na região.
GENEBRA. Um relatório do Conselho de Direitos Humanos da ONU, divulgado ontem, acusa o governo do Sudão de ter orquestrado e participado de crimes em Darfur, onde segundo observadores mais de 200 mil pessoas já morreram em quatro anos de conflito. O documento é resultado de uma missão do conselho que tem como objetivo investigar acusações de abusos no oeste do Sudão.
¿ A situação se caracteriza por grosseiras e sistemáticas violações dos direitos humanos e por graves rompimentos do direito humanitário internacional. A missão conclui ainda que o governo do Sudão fracassou em proteger a população de Darfur de crimes internacionais em larga escala, e ele em si orquestrou esses crimes e deles participou ¿ disse Jody Williams, chefe da missão da ONU no Sudão.
Relatório também critica comunidade internacional
A decisão de enviar especialistas ao Sudão foi tomada pela ONU depois de um acirrado debate, em dezembro passado. Alguns países africanos e árabes entre os 47 que formam o órgão resistiam em dedicar especial atenção ao caso.
O relatório também acusa com firmeza a comunidade internacional de reagir de maneira ¿inadequada e ineficaz¿ diante de casos de estupro, tortura e outros abusos.
¿Diante da alarmante situação encontrada no Sudão, podemos classificar a atitude da comunidade internacional de omissa. Sua resposta é quase sempre lenta, inadequada e ineficaz, o que contribui de maneira substancial para o agravamento da violência e do abuso dos direitos humanos na região ¿, diz um trecho do relatório.
Jody Williams afirma ainda que, apesar dos apelos para que a comunidade internacional interferisse com urgência, a resposta até agora foi ¿patética¿.
¿ Os pedidos de ajuda e alertas dados sobre a gravidade de situação foram ignorados. A resposta patética não resultou em nenhum benefício. Por isso, não podemos deixar de dizer que a comunidade internacional tem sua parcela de culpa nesta calamidade. O Sudão comete erros absurdos, que são sistematicamente ignorados pelo resto do mundo ¿ disse.
O conflito no país, segundo Jody, deverá ser o principal assunto na sessão de três semanas do Conselho de Direitos Humanos da ONU:
¿ Esperamos que a partir dessa sessão o conselho consiga mobilizar as nações para ações rápidas e consistentes.
No início da missão, a equipe da ONU foi proibida pelo governo sudanês de fazer visitas a Darfur. Os cinco especialistas, no entanto, conseguiram conversar com refugiados e pessoas que trabalham em agências humanitárias na região. Eles também viajaram ao Chade, país vizinho, para encontrar refugiados sudaneses e apurar histórias sobre massacres e ataques tanto de rebeldes quanto de tropas governamentais.
Entre os muitos casos relatados no documento, o mais grave é a acusação de que a milícia árabe Janjaweed atacou moradores de vilarejos de Darfur, em ações sangrentas que mataram praticamente toda a população das localidades, com apoio aéreo do governo do Sudão.
O governo nega as alegações e acusa países ocidentais de exagerarem os problemas em Darfur. O embaixador sudanês na ONU, Ibrahim Margani Mohammed Kheir, disse que o Sudão está cooperando com a organização e que a situação em Darfur está melhorando.
¿ A mídia internacional faz uma cobertura exagerada do que acontece na região. A situação está sob controle e os números divulgados estão muito longe da realidade. O governo sudanês é enfático ao dizer que nunca participou de qualquer tipo de massacre em Darfur.
Diplomatas ocidentais dizem que o relatório, apesar de não divulgar muitas novidades, deve ter um impacto político grande por causa de sua dureza.
¿ O texto defende que, se um Estado não está conseguindo proteger seus próprios cidadãos, a comunidade internacional precisa assumir suas responsabilidades. Isso deixa claro que o conselho é a favor de medidas mais enérgicas e que a ONU pode de mover nesta direção ¿ disse um diplomata britânico que pediu anonimato.
Crise de refugiados piora situação do vizinho Chade
Segundo ele, o relatório tem razão em apontar a falta de ação da comunidade internacional como uma das causas do agravamento da situação:
¿ Existem tantas ameaças vazias contra Cartum que, se eu fosse o governo sudanês, também não prestaria nenhuma atenção ¿ disse ele.
A violência de Darfur, qualificada por vários governos, entre eles o dos EUA, como genocídio, além de 200 mil mortes fez com que 2,5 milhões de pessoas deixassem suas casas. Rebeldes locais enfrentam milícias islâmicas pró-Cartum em batalhas muitas vezes seguidas por massacres de civis. A crise gerou um êxodo que piora ainda mais a situação econômica do vizinho Chade. De acordo com agências humanitárias, a população enfrenta crescentes dificuldades em receber ajuda, e os próprios funcionários humanitários, assim como voluntários e religiosos, são alvos freqüentes da violência.