Título: Concurso para juiz do TJ do Rio sob suspeita
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 15/03/2007, O País, p. 3

Dos 24 aprovados, sete têm parentesco com desembargadores; OAB pede investigação do Conselho Nacional de Justiça.

Suspeitas de quebra de sigilo e fraude para beneficiar filhos, noras, genros e sobrinhos de desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio poderão anular um dos, até aqui, mais prestigiados concursos públicos do estado. Detalhe: o exame era para juízes, justamente os encarregados de julgar recursos contra todo e qualquer concurso público. Representação assinada pelo Conselho Federal da OAB e pela OAB-RJ vai pedir ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que investigue o último concurso para a magistratura promovido pelo TJ do Rio, realizado em dezembro do ano passado. Dos 24 aprovados, pelo menos sete têm laços de parentesco com desembargadores do tribunal.

A principal prova usada pelas entidades é o exame prestado pela candidata Denise Pieri Nunes. No documento, ela é acusada de reproduzir textualmente, em seu exame, o gabarito de uma das provas específicas, a de Direito Tributário. A candidata foi reprovada na prova oral de Tributário, mas a violação da prova escrita, alega a OAB, compromete a lisura do concurso, disputado por cerca de 1.800 candidatos.

Este fato, segundo as entidades, foi constatado pelo examinador Ricardo Aziz Cretton, um dos três da banca de Direito Tributário. Em declaração anexada à representação, ele disse ter visto outras provas de candidatos classificados para a etapa final do exame que "exibiam respostas com abordagens e raciocínio seqüencial similares aos do padrão gabaritado".

O próprio tribunal organiza o concurso

Cretton também estranhou o desempenho de outra candidata, Ludmilla Vanessa Lins da Silva - esta incluída entre os 24 aprovados. Na prova oral de Tributário, ele deu à candidata nota um pelo que alega ter sido um fraco desempenho. Como ela obteve média cinco neste exame, os outros dois examinadores, Ronald Eucário Villela e Leonardo Pietro Antonelli, ambos da OAB, deram a ela as notas oito e seis, o que revela uma inédita discrepância de resultados.

Ludmilla Vanessa Lins da Silva é professora do curso de Direito da Universidade Estácio de Sá, onde é colega do ex-presidente do TJ-RJ Sérgio Cavalieri (ambos dão aulas de Responsabilidade Civil).

- A denúncia, se de fato comprovada, é uma questão grave, já que o Judiciário é justamente o órgão que julga os atos ilícitos em todos os exames. Por isso, um fato deste atingindo o Tribunal de Justiça é algo mais grave do que o envolvimento de qualquer outro poder - lamentou o presidente da OAB-RJ, Wadih Damous Filho.

O Tribunal de Justiça do Rio organiza seu próprio concurso, composto por três etapas eliminatórias - prova escrita preliminar, provas escritas específicas e provas orais. O presidente das etapas finais do último concurso foi o desembargador Cavalieri, na época presidente do Tribunal.

Depois de passar pela prova preliminar, 77 candidatos classificados foram submetidos a provas escritas e orais específicas de Direitos Civil, Processual Civil, Penal, Processual Penal, Constitucional, Administrativo, Empresarial e Tributário. Cada um dos temas contou com uma banca de três examinadores, que elaboraram as questões na hora, de acordo com o sorteio do ponto a ser abordado.

Pela regra, o ponto é sorteado na presença dos membros da comissão e de três candidatos, que se apresentam espontaneamente (eles ficam isolados, para não ter chance de fazer consultas antes do exame). Mas, diferentemente de anos anteriores, neste concurso os demais candidatos só chegaram duas horas depois (e não no momento do sorteio), quando as provas foram distribuídas, depois de rodadas na gráfica do Tribunal.

A representação cita, ainda, uma ata de reunião da Diretoria Geral de Tecnologia da Informação do TJ, na qual se reconhece a fragilidade do processo de fiscalização dos exames. A equipe de informática explicou que o atual sistema utilizado pela comissão de concurso abrange apenas a primeira fase das provas. "Não foram implementadas as fases de prova específica e de prova oral no sistema por conta da mudança constante nas regras dos últimos concursos", informa a ata de reunião, do dia 26 de fevereiro.

A representação pede ao Conselho Nacional de Justiça que, caso comprovadas as fraudes, o concurso seja anulado.