Título: Alerta para a recessão
Autor: Eloy, Patricia
Fonte: O Globo, 15/03/2007, Economia, p. 24

AMEAÇA EXTERNA

Bancos estrangeiros já temem avanço menor no PIB dos EUA e prolongamento da crise.

Pela primeira vez nas últimas semanas, analistas do mercado financeiro começam a traçar um quadro preocupante para os Estados Unidos e alguns já falam mesmo em recessão, se a crise no mercado de hipotecas de alto risco (as chamadas subprime) se agravar. Economistas já fazem as contas do impacto que, para alguns, pode gerar efeitos nefastos sobre a maior economia do planeta, que também é a maior parceira comercial do Brasil.

Para o economista David Rosenberg, do banco de investimentos Merrill Lynch, em Nova York, se houver uma retração no mercado de hipotecas, a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA poderá ficar 0,5 ponto percentual abaixo dos cerca de 2% esperados para 2007. Segundo ele, se o valor dos imóveis cair 10% este ano - uma estimativa que ele não considera improvável - não apenas o avanço do PIB americano será menor, mas as taxas de desemprego também tenderão a subir, superando os 5% em 2007, bem acima dos 4,5% projetados.

Para Rosenberg, não há um cenário clássico de recessão, mas ele alerta que qualquer taxa de crescimento inferior a 2% do PIB geralmente tem como efeito um enfraquecimento no ambiente de crédito.

Estados Unidos podem crescer só 1%

Se o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) subir os juros em um ponto percentual este ano, para 6,25%, e mantiver as taxas estáveis devido a riscos inflacionários (o núcleo dos preços tem superado os 2%, acima da chamada zona de conforto do Fed, entre 1% e 2%), o PIB pode ficar próximo de 1% em 2007.

"Neste cenário, nós colocaríamos a possibilidade de uma recessão clara no segundo semestre em algo muito próximo a 100%", escreveu ele num relatório enviado ontem a clientes.

Para a analista Ivy Zelman, do Credit Suisse em Nova York, a deterioração no mercado de hipotecas tende a continuar nos próximos trimestres, apesar do crescimento nas taxas de emprego. "Estamos bastante preocupados em relação aos riscos sistemáticos do setor imobiliário, à medida que se revela uma crise de liquidez no mercado de hipotecas", escreve Zelman em documento publicado ontem.

Em teleconferência com investidores, o vice-presidente de Finanças do Lehman Brothers (quarto maior banco de investimento dos EUA em valor de mercado), Chris O"Meara, disse ontem que a crise no mercado de hipotecas de alto risco deve continuar, o que pode criar oportunidades de negócio para o banco.

Segundo fontes de mercado, o Lehman é um dos bancos americanos que está mais exposto ao risco dos chamados empréstimos subprime. Os grandes bancos não apenas financiam essas hipotecas, mas também as compram, revendendo-as como ativos a grandes investidores, entre eles fundos mútuos e hedge funds.

Para os analistas do Unibanco, o cenário de crescimento moderado para a economia dos EUA se mantém, com expectativa de queda da inflação, mas eles admitem que os riscos estão crescendo, o que pode desacelerar a economia. Para eles, o Brasil não deve sofrer os efeitos de uma crise no mercado de hipotecas de risco americano e de uma possível contração no crédito, devido às reservas internacionais robustas (em torno de US$105 bilhões) e ao superávit em conta corrente.

Ontem, porém, dados do mercado imobiliário americano alimentaram novos temores de uma crise prolongada, o que gerou fortes oscilações nas bolsas. Na Ásia, a queda foi superior a 2%, uma resposta tardia à turbulência da véspera com mais uma empresa de empréstimos de segunda linha (Accredited, que informou problemas de caixa um dia após sua concorrente New Century ter apresentado risco de falência) e ao aumento das execuções hipotecárias.

A Bolsa de Tóquio recuou 2,9%, a segunda maior queda do ano, enquanto o pregão de Hong Kong registrou perdas de 2,5% e a Bolsa de Xangai caiu 1,9%. Analistas temem que o calote no setor imobiliário americano contamine o setor financeiro como um todo, assustando consumidores e afastando-os de novas dívidas. A idéia não é boa para a maioria das economias asiáticas, que não apenas são fortemente exportadoras, mas também têm como principais clientes os EUA.

Em meio a calote, hipotecas aumentam

Ontem, a Associação dos Bancos de Hipotecas informou que, apesar da inadimplência crescente, a demanda por novos financiamentos cresceu 2,8% na semana encerrada no dia 9. O índice de atividade ficou em 690,5 pontos (o maior desde dezembro), o que fez os investidores temerem um prolongamento da crise. Num desdobramento do caso New Century, o banco inglês Barclays exigiu a recompra imediata de US$900 milhões em empréstimos hipotecários, o que deixa a empresa mais perto da falência.

Os dados trouxeram volatilidade aos mercados. As bolsas americanas chegaram a cair mais de 1% pela manhã, mas se recuperaram no fim do dia, à medida que investidores aproveitavam a queda recente para comprar ações a um valor mais baixo. O índice Dow Jones avançou 0,48%, e o Nasdaq, 0,90%. O mercado brasileiro acompanhou: após cair 1,60%, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) fechou em alta de 1,26%.

Com a turbulência recente, o saldo estrangeiro na Bolsa ficou negativo em R$796 milhões até o dia 9. O dólar fechou em queda de 0,24%, cotado a R$ 2,099, após subir 0,52% pela manhã. O risco-Brasil recuou 2,53%, para 193 pontos centesimais.

COLABOROU: Gilberto Scofield Jr., com agências internacionais