Título: Blindagem verde-e-amarela
Autor: Eloy, Patricia
Fonte: O Globo, 16/03/2007, Economia, p. 25

País já tem 4º maior volume de reservas entre emergentes, o que deve protegê-lo de crises.

Acrise recente no mercado de hipotecas de alto risco (subprime) nos Estados Unidos não deve ter maiores efeitos sobre a economia brasileira. Para economistas, o elevado nível de reservas internacionais (além da melhora no perfil do endividamento externo e o forte saldo comercial) funciona como um colchão anticrise, que deve proteger o país de possíveis choques externos. No último ano, esse colchão ficou ainda mais robusto e resistente: a política agressiva de compra de dólares pelo Banco Central (BC) fez com que as reservas praticamente dobrassem. Com isso, o país pulou da sexta para a quarta posição entre os dez emergentes com maior volume de reservas internacionais, segundo levantamento feito pelo Departamento Econômico do ABN Amro Real.

Com US$106,16 bilhões em seu colchão anticrise, o Brasil conseguiu, em um ano, superar o México (US$68,87 bilhões) e a Turquia (US$56,53 bilhões). No início de março do ano passado, o país tinha US$53 bilhões em reservas. Se a estratégia do BC for mantida, o país pode alcançar os níveis da Índia até o próximo ano. Hoje, está atrás de China (US$1,066 trilhão), Rússia (US$311,10 bilhões) e Índia (US$193,12 bilhões).

País se aproxima dos níveis da Índia

Depois do Brasil, a Rússia teve a segunda maior expansão entre os emergentes: 59%. Naquele país, o saldo comercial elevado por causa da exportação de petróleo foi responsável pelo aumento nas reservas. Na China, líder entre os emergentes, o volume é resultado de mais de 20 anos de crescimento sustentado e uma pauta diversificada de negócios, com fortes superávits em conta corrente. Entre os três maiores, apenas a Índia adotou estratégia similar à do Brasil: engordou as reservas com fortes compras de dólares.

Para se ter uma idéia do que esse volume de reservas representa para o Brasil, o total corresponde a 11,7% do PIB brasileiro, 62,7% do endividamento externo total do país (setores público e privado), 295,2% da dívida total de curto prazo (pública e privada) e três vezes os gastos do Tesouro Nacional com juros e amortização de dívida nos próximos cinco anos.

Para a maioria dos economistas, a estratégia do BC foi acertada, pois permitiu que o país suportasse melhor os solavancos dos mercados globais nas últimas semanas.

- Reservas elevadas, crescimento econômico menos volátil, inflação em queda, balança comercial forte e manutenção do sistema de metas de inflação tendem a reduzir um possível contágio ou volatilidade dos mercados ou da economia brasileira neste momento - avalia Zeina Latif, economista-chefe do banco ABN Amro Real.

Carlos Langoni, ex-presidente do BC e atual diretor do Centro de Economia Mundial da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acredita que, quanto maior o nível das reservas, mais tempo levará para que o cenário externo afete a economia brasileira. Para ele, as reservas devem chegar a US$150 bilhões até o fim do ano.

- Reservas robustas amortecem choques não previstos e conseguem, por exemplo, transformar uma possível recessão em desaceleração. Não existe nada mais traumático do que tentar administrar uma economia vulnerável - diz Langoni que, em 1983, presidia o BC num Brasil com apenas US$2 bilhões em reservas.

Estratégia custou US$7 bi ao BC

Mas, manter reservas próximas a US$100 bilhões custaram cerca de US$7 bilhões ao BC no ano passado. O gasto elevado faz com que economistas como Fábio Knijnik, analista sênior do BES, questionem sua real vantagem:

- O país exagerou no tamanho do seguro. Reservas próximas a US$100 bilhões já protegem o país de maneira eficiente. Continuar na política de acumulação de dólares tem mais desvantagens do que benefícios.

Ao comprar dólares, o BC injeta reais na economia e, para retirar esse excedente, vende títulos públicos que rendem juros altíssimos (em torno de 12,75% ao ano). Enquanto isso, os dólares que engordam as reservas internacionais do país são aplicados em títulos do Tesouro dos EUA, que têm baixa rentabilidade (cerca de 5,25% ao ano). A diferença de juros gera um custo elevado para o BC.

Para Octavio de Barros, economista-chefe do Bradesco, a estratégia do BC foi acertada e traz mais benefícios que prejuízos ao país:

- É ingênuo subestimar o efeito das reservas sobre a percepção de risco e a queda das vulnerabilidades do Brasil. A recente turbulência está tornando os investidores mais seletivos, o que tende a beneficiar países como o Brasil, que melhoraram significativamente seus fundamentos macroeconômicos.

Para ele, o colchão pode chegar a US$125 bilhões até o fim do ano, mas em breve o país terá que iniciar discussões similares às ocorridas no México e no Chile há cerca de três anos, quando os países reduziram o ritmo de acumulação de reservas.