Título: Não desata
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 16/03/2007, Economia, p. 26

O país pode crescer sem riscos inflacionários. Houve um aumento do investimento, em parte, determinado pelo crescimento forte da importação de bens de capital, o que aumentou a capacidade instalada. A alta dos preços do começo do ano foi episódio isolado. É o que diz a Ata do Copom. Isso não levará a um aumento do ritmo de queda das taxas de juros, pelo que se lê nas entrelinhas.

O Banco Central e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pensam de forma diferente; isso já se sabe há muito tempo. O BC tem sua cautela excessiva; o ministro, uma avaliação antiga do papel da inflação na economia.

Na ata divulgada ontem, o Copom diz que aumentou a "absorção de bens de capital" em 8,9%, em 2006: a importação desses bens cresceu 24% e a produção, 5,7%. Ou seja, o produtor brasileiro aproveita o dólar baixo para importar máquinas e equipamentos. Conclusão: mesmo que a demanda aumente, "não se antecipam descompassos significativos entre oferta e demanda agregada que possam determinar desvios da inflação da trajetória da meta".

Diante disso e do crescimento decepcionante do ano passado, o BC poderia considerar que o país está preparado para quedas maiores dos juros. Mas não é o que está dito ao longo da ata. O Banco Central admite um crescimento "pouco satisfatório" apenas para a agricultura. Mas ressalta que, no último trimestre, o Brasil crescia a 3,8% em relação ao mesmo período de 2005. E encontra um dado para dar novo vigor ao pibinho de 2006: "considerando a série histórica, pela primeira vez desde 1986, a economia cresce, consecutivamente, por treze trimestres, quando se compara com o trimestre equivalente do ano anterior, sugerindo consolidação do processo de expansão". A taxa de desemprego, que continua em dois dígitos, também não abate a avaliação do BC, que prefere outro dado: o país criou 1,2 milhão de empregos formais no ano passado, e 4 milhões em três anos.

Já Guido Mantega afirmou esta semana que o Banco Central precisa ter mais ousadia, antecipou alta de inflação e disse que o "o Banco Central poderá tranqüilamente nos entregar, no fim do ano de 2007, algo como 4,5% e 5% de inflação, que é dentro do centro da meta, que é o desejável e que conciliará um crescimento mais vigoroso para a economia. O ideal é que seja assim: inflação igual a crescimento."

O ideal seria que a inflação ficasse o mais baixa possível, e que o crescimento fosse bem maior que os pífios 2,6% de média do governo Lula. O erro da declaração do ministro Mantega é a idéia embutida de que a inflação maior "conciliará um crescimento mais vigoroso para a economia". É um clássico do pensamento passadista no Brasil. Nos anos 50 a 60, acreditava-se aqui que a inflação era indutora de crescimento. Tivemos algumas décadas para nos arrepender amargamente do equívoco. Foi essa idéia que nos roubou muito crescimento e nos levou ao inferno monetário dos anos 80 e 90. No dia seguinte, Mantega disse que foi mal interpretado pela imprensa. E que queria, de fato, dizer que o ideal era que a inflação fosse 1%, e o crescimento, chinês. Não foi o que disse. O ideal, portanto, é que fale sempre o que pretende dizer, para evitar outros erros de interpretação do desavisado que toma o dito pelo dito.

O Banco Central, por sua vez, tem esta dissonância: apesar de achar que as empresas aumentaram o investimento e que o país não terá risco inflacionário se aumentar a demanda, pisou no freio e reduziu o ritmo de queda da taxa de juros.

Pode ser o medo da crise externa? Não parece, pelo texto. No comércio externo, aliás, o Copom teve tempo para fazer uma ironia: "A exemplo do ocorrido em 2006, a balança comercial continua frustrando as expectativas menos otimistas e iniciou 2007 apresentando desempenho robusto." Em outro momento: "Como esperado, o quantum das importações de bens se elevou significativamente (18,1%) e, contrariando prognósticos pouco otimistas vigentes no início de 2006, o das exportações se expandiu 5%." Foi a resposta à chuva de críticas que recebeu quando o dólar caiu abaixo de R$2,1 e à análise sempre repetida de que os exportadores não conseguiriam mais vender seus produtos no exterior com esse câmbio.

Para o BC, esse saldo é parte dos bons indicadores que fortalecem o Brasil neste momento de instabilidade internacional: "a redução consistente da inflação, os vultosos e persistentes saldos comerciais, a ampliação das reservas internacionais, a melhora do perfil da dívida pública interna e a recompra de títulos soberanos no mercado internacional têm tornado o país cada vez mais resistente a choques". O Copom também considera que é baixa a probabilidade de deterioração do quadro internacional a ponto de nos afetar.

Tudo isto posto - a inflação mais alta foi um episódio, o país aumentou sua capacidade produtiva, a área externa tem dados "robustos" - a conclusão poderia ser de volta ao ritmo anterior de queda dos juros. Mas não. O Banco Central diz que muito da queda dos juros ainda terá efeitos na economia, aumentando a demanda e o crescimento, e que, assim, é preciso ficar "especialmente vigilante". Resumo da ópera: os juros, hoje em 12,75%, vão continuar caindo neste ritmo de metade de 0,5 ponto percentual a cada 45 dias.