Título: Governo deve desistir de elevar carga de prestador
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Fonte: O Globo, 16/03/2007, Economia, p. 27

Emenda sobre relação de trabalho será vetada, mas tendência é de não aumentar imposto de pessoa jurídica.

BRASÍLIA. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve anunciar hoje o veto à emenda 3, incluída no projeto da Super Receita e pela qual cabe apenas à Justiça do Trabalho desconsiderar a existência de uma pessoa jurídica. Com isso, o governo deverá desistir da idéia de aumentar a carga tributária das pessoas jurídicas que prestam serviço a uma só empresa. Segundo técnicos que acompanharam as negociações ontem sobre a emenda 3, o custo político de vetar a emenda já é alto demais porque muitos setores do empresariado e parlamentares lutaram pela sanção. Por isso, o aumento da carga tributária deverá ser deixado de lado.

O governo manteve reuniões ontem, no Palácio do Planalto, trabalhando em duas frentes: encontrar justificativa para um possível veto e fechar uma proposta alternativa de regulamentação do alcance da fiscalização sobre prestadoras de serviços. Até o início da tarde, a argumentação mais provável era de que a emenda precisava ser rejeitada por ser inconstitucional.

Juristas ouvidos pelo GLOBO discordam da avaliação. O debate no próprio governo é intenso. O Palácio negou, mas fontes disseram que Lula comandou reunião ontem à noite, com os ministros da Casa Civil, Fazenda e Trabalho. Técnicos da Justiça e das Relações Institucionais também estão envolvidos.

A justificativa dos técnicos sobre a inconstitucionalidade é que a emenda foi incluída em projeto de lei ordinária - o que cria a Super Receita. Este não pode se sobrepor a uma lei complementar, como é o Código Tributário Nacional. Eles argumentam que o parágrafo único do artigo 116 do Código dispõe que o fiscal pode desconsiderar uma pessoa jurídica se encontrar indícios de dissimulação de relação de trabalho (vínculo empregatício) com a contratante.

"A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária".

Esses procedimentos aos quais o artigo se refere nunca foram regulamentados. Por isso, uma alternativa que ganhou fôlego ontem era vetar a emenda 3 e editar medida provisória para regulamentá-los. A idéia é que o fiscal continue tendo poder de desconsiderar a pessoa jurídica, mas com critérios claros sobre em quais ocasiões pode fazê-lo.

O governo quer, na regulamentação, estabelecer que a empresa contratante não poderá ser multada imediatamente, podendo se defender perante o fiscal e recorrer a um mandado de segurança. Tributaristas a favor da sanção da emenda contestam o argumento de que a medida é inconstitucional. O ex-secretário da Receita Everardo Maciel diz que há contradição entre o veto e a regulamentação do artigo 116. Ele explica que, no que tange a esse artigo, é como se o Código não estivesse em vigor (não foi regulamentado). Assim, não haveria sobreposição.

Já o tributarista Ives Gandra Martins lembrou que o artigo 129 incluído pelo Congresso na MP do Bem, sancionada por Lula, reconhece a existência das prestadoras. O artigo dispõe que, para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais "se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas", e informa que o artigo não se aplica se for configurado vínculo empregatício apenas "em virtude de sentença judicial definitiva decorrente de reclamação trabalhista". O teor é o mesmo da emenda 3, que o Executivo quer vetar.

Durante o dia a Receita insistia que as empresas contratantes passassem a recolher a contribuição previdenciária para as pessoas jurídicas com relação personalíssima (os prestadores).