Título: Antártica
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 17/03/2007, O Globo, p. 2

Não param de surgir informações preocupantes sobre a mudança climática no planeta. Em mais uma confirmação do relatório do grupo intergovernamental da ONU, constata-se agora que nunca foi tão quente no Hemisfério Norte em janeiro e fevereiro, meses hibernais. Coincidem estas descobertas com a celebração dos 25 anos da presença do Brasil na Antártica, experiência que, a partir de sua importância estratégica, possibilita o esforço de cientistas brasileiros de áreas diversas, em particular os que estudam o clima.

O Programa Antártico, o Proantar, é o que se pode chamar de um programa de Estado, não de governo. É, ou deve ser, perene. Apesar das restrições orçamentárias e dos imensos desafios de logística, nestes 25 anos ele consolidou a presença brasileira no quinto continente, o grande refrigerador da Terra. Mas os brasileiros, em geral, conhecemos muito pouco deste esforço que envolve diferentes organismos, cientistas e parceiros privados, demarcando uma fronteira geopolítica e científica.

Estive lá agora, numa viagem rápida, a convite da Secretaria-Executiva da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar, a Secirm. A este órgão subordina-se o programa, hoje coordenado pelo capitão-de-mar-e-guerra Dennis Teixeira. A repórter Roberta Jansen e a fotógrafa Marizilda Cruppe, do GLOBO, foram antes e ficaram dez dias. Produziram um excelente material jornalístico que pode ser visto no blog Missão Antártica: www.oglobo.globo.com/blogs/antartica. Nele, muito se pode ler (e ver) sobre o desafio dos brasileiros que fazem o programa.

Lá, sob temperaturas abissais (de 35 a 50 graus negativos), estão os dez militares da base brasileira Comandante Ferraz, mais um número variável de pesquisadores e os outros 50 militares do navio de apoio Ary Rongel, que também abriga cientistas e propicia pesquisas. Aqui, a retaguarda envolve a Secirm, o CNPq e as universidades, o Ministério do Meio Ambiente, o Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro e parceiros privados, como a Petrobras, a Oi e o Clube Alpino Paulista. Em Pelotas (RS), há uma retaguarda importante, a Estação de Apoio Antártico (Esantar), que tem o apoio da Fundação Universidade do Rio Grande (Furgs).

Agora, por exemplo, está sendo feita uma pequena obra de ampliação. Tudo - engenheiro, materiais e operários - foi levado do Rio. Agora que o inverno está chegando, o navio virá embora, porque o mar vai congelar. No intervalo, passa por uma revisão no arsenal. Os que ficam só receberão provisões lançadas sobre a planície gelada pelo Hércules da FAB. Serão meses na geleira azul da solidão. Sobre tudo isso há muita informação no blog antártico. Fiquemos nos aspectos políticos, científicos e institucionais.

Uma leitora do meu blog, comentando informe que mandei de lá, perguntou por que o Brasil gasta dinheiro nesta lonjura inabitada. Gasta-se pouco: em 2006 o orçamento foi de R$2 milhões e ainda foi contingenciado. Sem os parceiros, o programa congelava. A Petrobras doa todo o óleo - para o navio, para gerar a energia e outros fins. A Oi entrou com a instalação da telefonia fixa e agora, nesta viagem, instalou a base para a telefonia celular.

Mas, respondendo à leitora, por que estar lá? No começo, a matança das baleias era o atrativo. Depois vieram as pretensões territoriais (Chile, Argentina, Noruega, Reino Unido e outros). Para evitá-las, e conter eventuais experimentos militares, em 1959 foi firmado o Tratado da Antártica, pelo qual todos os países podem utilizar o continente, mas apenas para fins científicos e pacíficos. Um ponto alto em nossa civilização beligerante e competitiva. O Brasil aderiu em 1975, mas só em 1982 criou seu programa e instalou sua base. Pela passagem dos 25 anos, os Correios lançaram lá, na noite de terça-feira, um selo comemorativo.

Hoje (o tratado foi prorrogado até 2041), não só a caça da baleia como toda exploração econômica é proibida. Não se pode pescar nem para consumo. Há riquezas minerais, certamente, mas lá estão, sobretudo, sob a forma de gelo, as maiores reservas de água doce do planeta (70%). No futuro, com as limitações físicas do Canal do Panamá, o Estreito de Drake será vital para a navegação, como porta principal da ligação entre o Atlântico e o Pacífico.

Mas é sobretudo científica a importância dessa presença. Hoje, principalmente para estudar o clima. Por ser a região da Terra mais distante dos centros geradores de poluição, a Antártica oferece os melhores parâmetros para se estudar suas conseqüências danosas, como o efeito estufa e o buraco na camada de ozônio. O degelo dos pólos, como todo mundo sabe, fará os mares subirem perigosamente. A meteorologia permite prever fenômenos globais ou regionais, como os que afetam particularmente o Brasil. Temos lá, também, pesquisas oceanográficas e biológicas da maior importância. Mais informações também no blog www.oglobo.globo.com/blogs/tereza.