Título: Foro privilegiado agrava a situação
Autor: Gripp, Alan e Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 18/03/2007, O País, p. 3

As pilhas intermináveis de processos espalhados pelo gabinete do ministro Joaquim Barbosa o ajudam a explicar por que são raros os processos contra autoridades que chegam ao fim. Instigado, ele evita citar o nome dos políticos que já se beneficiaram do congestionamento de ações penais no STF. Mas não se furta em dizer que, ao manter o foro privilegiado, muitos investigados estão pensando em se beneficiar da lentidão da Justiça. "É uma tentativa de obter essa incapacidade através da asfixia dos tribunais", diz.

O que o senhor achou da declaração do promotor de Nova York?

JOAQUIM BARBOSA: Lamento o fato de que já tenha chegado a autoridades internacionais a constatação da incapacidade brasileira de punir seus dirigentes. Para o Brasil, que mudou de patamar na percepção internacional, é lamentável ver que nesse campo estamos atrasados. Isso é um fato. Estou há quatro anos no Supremo Tribunal Federal e não vi chegar ao fim nenhuma ação penal.

Por que isso acontece?

JOAQUIM BARBOSA: Há obstáculos estruturais intransponíveis que levam a essa incapacidade de punir. O principal é o foro privilegiado, que é uma tentativa de obter essa incapacidade através da asfixia dos tribunais. Os órgãos estão abarrotados de trabalho.

Qual é a conseqüência disso?

JOAQUIM BARBOSA: A realidade é muito grave. Um exemplo de como isso é dramático são as dezenas de casos urgentes de pessoas que estão presas aguardando o julgamento de extradição para outros países. Em 2005, só em relação ao governo alemão, eu decretei 16 prisões. Já passaram dois anos, e não consegui julgar nem três casos de habeas corpus.

Como resolver?

JOAQUIM BARBOSA: O foro privilegiado agrava muito essa situação. Seria mais eficaz se (políticos) fossem julgados na Justiça de primeira instância. Os tribunais superiores não têm vocação para julgar crimes, não têm estrutura para ouvir diversas testemunhas para cada caso. Hoje, a maioria dos processos que são arquivados são por prescrição.

O que acontecerá se ex-autoridades também conquistarem o direito ao foro privilegiado?

JOAQUIM BARBOSA: Será um desastre, um grande retrocesso. A lei da improbidade vem rendendo bons frutos, diversos prefeitos perderam os seus cargos em função de irregularidades cometidas. O que vai acontecer é que essa lei vai ser neutralizada, será reduzida a pó. Só em Minas Gerais há mais de 700 municípios, todos os casos seriam transferidos para o Tribunal de Justiça, onde há apenas um procurador-geral.