Título: Furlan não volta à Sadia e vai se dedicar a netos
Autor: Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 18/03/2007, Economia, p. 32

Ministro do Desenvolvimento, de saída do governo, planeja ainda usar a quarentena para estudar meio ambiente

BRASÍLIA. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, não esconde que conta as horas para sair do governo. Quer deixar para trás a vida de mercador - como era chamado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva devido ao seu papel na promoção do comércio exterior brasileiro - e assumir o papel de avô. Está ansioso para ficar mais próximo dos netos Eduardo e Felipe, cujos nascimentos não pôde presenciar devido aos compromissos e às viagens a trabalho.

Ele não continuará no cargo porque não quer. Prefere voltar ao convívio da família, buscar mais qualidade de vida e recuperar o tempo perdido com Ana, sua mulher, com quem é casado há 35 anos e tem dois filhos, Gabriela e Luiz Gotardo.

- Quando um dos meus netos nasceu, eu estava na Alemanha, em missão de trabalho, em 2003 - exemplifica Furlan. - Apesar das demonstrações de carinho e prestígio do presidente Lula, era o momento de assumir outros compromissos, de ordem familiar - afirma Furlan, seguro da decisão de voltar para a casa para comemorar, no mês que vem, seus 60 anos.

Furlan quer ficar longe da agitação da vida de executivo

Enquanto estiver cumprindo quarentena, fará um curso no exterior sobre meio ambiente - está buscando novos estímulos. Não cogita voltar para a mesma função que ocupava na Sadia, quando era presidente do Conselho de Administração do grupo, que tem sua família como um dos acionistas. A agitação da vida pública e dos executivos top de linha está, até segunda ordem, aposentada.

- Uma das diferenças entre uma empresa e o governo é que o número de acionistas no governo é muito maior, muitos desconhecidos - avalia Furlan. - Essa profissão de ministro, de homem público, é fortemente caracterizada pela ausência e pela dedicação ao trabalho. O ministro se adapta à agenda do presidente da República e das prioridades políticas, que, às vezes, mudam de uma hora para outra.

Ele não revela por quanto tempo mais vai esperar pela nomeação de seu substituto. Diz que Lula conhece seu limite e estranha o fato de que, até agora, apesar das inúmeras sondagens, não tenha surgido alguém para sucedê-lo na pasta.

- É estranhíssimo. Está ficando para o fim da reforma ministerial justamente um ministério onde não há problemas. O que eu posso imaginar é que este posto não é tão atraente como eu pensei. Talvez porque seja um posto para quem não precisa de votos.

Furlan - que teve de brigar com a área econômica por desonerações nem sempre concedidas - se orgulha de sua gestão ter alçado o comércio exterior e as negociações internacionais "às primeiras páginas dos jornais". Mas assegura que a não inclusão, no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de medidas de desoneração em setores como o de bens de capital, não motivou sua saída do cargo:

- Comuniquei minha intenção de deixar o governo no segundo semestre do ano passado. Já estava programado.

Apesar das dificuldades, ele garante que nunca teve problemas de relacionamento com a área econômica e o BNDES - banco que, teoricamente, estaria subordinado ao Ministério do Desenvolvimento mas que, na prática, está sob a batuta do presidente da República. E conta que sempre usou seu poder de persuasão, às vezes até de forma exagerada, para conseguir convencer os colegas.

- Coloco muita energia naquilo que acredito e isso, às vezes, vai até o limite da argumentação. Em alguns momentos, vi meus assessores me cutucarem, porque eu estava botando pressão demais em debates com os meus colegas, eventualmente até na presença do presidente - diz ele.

- Em nenhum momento me rendi à inércia da máquina pública. Sou permanentemente inquieto com velocidade e resultado e detesto ineficiência.

Ele não gosta de falar dos "pontos baixos" da gestão e prefere não destilar venenos ou mágoas. Mas escorrega. Um dos grandes críticos do conservadorismo do Banco Central, se diz esperançoso com o futuro da instituição - da qual acaba de se despedir o diretor mais "parcimonioso", Afonso Bevilaqua:

- O vício do Copom vai desaparecer - aposta, com sorriso de satisfação.

Furlan não pretende dar conselhos a seu sucessor. Porém, se for demandado, dirá que é preciso olhar o futuro com otimismo e estabelecer metas ambiciosas, porque elas são motivadoras. E destacará que Lula é um grande apreciador de debates.

"O crescimento não pode ser um espasmo, uma cólica", diz

Para Furlan, o PAC "ficou de bom tamanho". Em sua opinião, a melhor parte é que ficou na prateleira um conjunto de medidas, cujo ponto forte é a redução de impostos, que podem ser adotadas a qualquer momento. Ele se permite um último alerta, como pessoa que acredita que crescimento não pode ser "um espasmo, ou uma cólica": é imensa a quantidade de emendas que o PAC tem recebido no Congresso.

- No caso dos semicondutores, por exemplo, boa parte das empresas aguarda a definição das emendas para poderem investir no Brasil.