Título: Sem refúgio
Autor: Werthein, Jorge
Fonte: O Globo, 19/03/2007, Opinião, p. 7

O "Mapa da violência dos municípios brasileiros" confirmou, com estatísticas, o noticiário e a impressão geral: a violência se alastra pelo país e consome, sobretudo, a população jovem. Entenda-se por violência, neste caso, atos como homicídios, suicídios e acidentes de transporte, que resultam em danos irreparáveis. O que mostra o trabalho é que nenhuma unidade da federação está livre da violência. Não há refúgio.

Os números não chocam tanto quanto os trágicos episódios descritos nos jornais, mas impressionam. Afinal, diante de tabelas, gráficos, mapas e rankings, está se observando a floresta, não a árvore. É a partir da visão panorâmica, global, que se pode pensar o conjunto da população e para ela conceber políticas públicas que venham a beneficiar o indivíduo. Um jovem baleado provoca indignação. Milhares deles, perplexidade. Não se trata mais de um drama familiar, mas de um trágico fenômeno social, comparável a uma guerra. Todos devem se sentir responsáveis e vítimas da violência.

A letra fria do papel explicita o que muitos sofrem ou sofreram na própria pele. As vítimas de homicídio são majoritariamente jovens. É na faixa dos 15 aos 24 anos de idade que ocorrem mais homicídios, principalmente na faixa etária dos 20 aos 24 anos, com taxas de aproximadamente 65 homicídios por 100 mil jovens. Junto aos chamados menores de idade, entre os 14 e os 17 anos, os homicídios vêm crescendo em ritmo acelerado, com pico nos 14 anos, onde os homicídios, no decênio 1994/2004, cresceram mais de 63%. Com poucas diferenças entre as unidades da Federação, a grande maioria (92,1%) das vítimas de homicídio é do sexo masculino. Detalhe de extrema relevância: a taxa de homicídio da população negra é muito superior à da população branca. Em Estados como Paraíba e Alagoas, ultrapassa-se a casa dos 700% de vitimização de negros em relação aos brancos.

Parece clara a necessidade de se reforçarem as políticas voltadas especificamente para essas populações. Para isso, é necessário entender o que ocorre com elas, o que desejam e o que pode motivá-las a mudar. Como se sabe, parte do problema está na dificuldade de se promover a inclusão social de expressiva parcela da sociedade. Embora a carência material não seja a única responsável pela violência, ela contribui significativamente para a prática de delitos. Também contribui, e muito, a impunidade vigente. Mas combater a impunidade não significa que a solução esteja em aumentar significativamente as penas.

Está demonstrado que isso não traz os resultados esperados. Acesso a uma educação de qualidade, a trabalho e a saúde movem montanhas. A violência é uma realidade inconveniente, que tira ou deveria tirar o sono de todos os brasileiros, enquanto o problema não se restringir ao inevitável. Governo, sociedade, setor privado, são todos vítimas e co-responsáveis por esse quadro desolador.

JORGE WERTHEIN é doutor em Educação pela Universidade de Stanford (EUA).