Título: Uribe: 'Combate ao tráfico sem Exército é débil'
Autor: Seleme, Ascãnio
Fonte: O Globo, 20/03/2007, O País, p. 10

Presidente colombiano diz que Lula deveria chamar para si o enfrentamento do narcotráfico, "um problema do Estado"

CARTAGENA DE INDIA, Colômbia. Se o presidente Lula indagasse ao colega da Colômbia, Alvaro Uribe, o que fazer contra o narcotráfico, talvez se arrependesse de ter tocado no assunto. O GLOBO perguntou a Uribe quais seriam as recomendações, e o presidente disse que Lula deveria chamar o problema para si, transformando-o em questão de Estado. Recomendaria também o emprego de todas as forças disponíveis, inclusive o Exército.

- Diria a Lula que o problema do tráfico não é de polícia, é do Estado, e deve ser conduzido pessoalmente. O presidente deve trazer a questão para si, conduzi-la com as próprias mãos. Pelo presidente deve começar o combate ao tráfico - afirmou. E acrescentou: - E diria ainda a Lula, se me perguntasse, que todas as forças devem ser usadas. Inclusive as Forças Armadas. O combate ao tráfico sem o Exército é débil. Só com toda a força disponível se pode combater e vencer o tráfico de drogas.

Ataque sem piedade a todas as faces do tráfico

O presidente colombiano disse que, por experiência própria, sabe que não se vence a guerra contra o tráfico se uma das suas modalidades sobreviver:

- A Lula recomendaria que atacasse sem piedade todas as faces do tráfico. Produção, transporte, venda e consumo. E esse ataque deve ser feito com enorme rigor e sem tergiversar, sem recuar um metro sequer.

O presidente falou ao GLOBO logo após abrir o Seminário de Meio de Ano da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), em Cartagena de India, na costa caribenha da Colômbia. Uribe acrescentou que Lula deveria entender que, se não combater suas fontes de riqueza, não vencerá o narcotráfico:

- Lula tem que agir para retirar do tráfico todas as suas riquezas e fontes de riqueza. Para isso, se não as tem, deve aprovar leis que permitam aniquilar esse inimigo por dentro de suas entranhas. Não se pode permitir que o tráfico usufrua das riquezas, do dinheiro que produz.

Uribe enfrenta o tráfico na Colômbia com esse rigor que recomenda a Lula desde o primeiro dia do primeiro mandato. Em julho, foi reeleito para mais quatro anos. Nesses cinco anos, segundo números citados pelo próprio Uribe na palestra, a Colômbia produziu indicadores importantes. Os mais visíveis são:

No ano anterior à sua primeira posse, 168 sindicalistas foram mortos no país; em 2006, apenas um foi assassinado. Em média, 15 jornalistas eram executados por ano; no ano passado, nenhum. Cem professores sucumbiam ao terror por ano em passado recente; em 2006, foram três mortos. Em 2002, 196 líderes indígenas foram assassinados; no ano passado, dois.

O tráfico, a guerrilha e os paramilitares fizeram 400 mil pessoas serem realocadas em 2000. No ano passado, nenhum cidadão teve de mudar de casa ou cidade por causa da violência, segundo Uribe. Para ele, esses objetivos só foram alcançados por causa da intransigência de sua política, que batizou de "democracia da segurança". Nela, disse ele, pode-se até negociar com a guerrilha e os paramilitares, mas sem lhes dar indulto ou anistia:

- Negociamos o futuro. O passado deve ser pago efetivamente. Não damos indulto nem anistia. Mas negociamos dentro do espírito de justiça e paz.

Na véspera, o ministro da Defesa da Colômbia, Juan Manuel Calderón, dissera ao GLOBO que o Brasil só vencerá a guerra contra o tráfico se empregar todas as forças militares. O Brasil, segundo ele, não pode tratar o tráfico como questão menor, questão regional. Por considerar o narcotráfico problema local, que deveria ser resolvido pelas autoridades dos estados, a Colômbia mergulhou numa crise sem precedentes que transformou o país nas décadas de 80 e 90:

- Quando percebemos, já éramos um país dividido. Só conseguimos libertar a Colômbia com o emprego de todas as forças de que dispúnhamos. O Brasil pode estar cometendo o mesmo erro. Tergiversar sobre a questão de segurança é permitir o crescimento contínuo da violência. O Rio hoje é uma pequena Colômbia dos anos 90. Há lugares em que não se pode entrar. Isso se deu na Colômbia também. E era intolerável. O Exército brasileiro deve ser usado no combate ao tráfico imediatamente. E não apenas nas franjas das favelas. Deve entrar nas favelas para desocupá-las.

Calderón, ministro do Comércio Exterior e da Fazenda no primeiro governo de Uribe, assumiu a Defesa no segundo mandato. Segundo ele, a Colômbia é um paraíso se comparada ao Rio. Ele disse que o país hoje detém o controle de cada uma de suas cidades. No passado não muito distante, lembra ele, parte do país era controlada pelo tráfico ou pela guerrilha, que é financiada pelas drogas. Como em favelas do Rio, havia cidades inteiras inacessíveis ao poder formal. Hoje, afirma, o país está liberado.

- Não há diferença entre o que experimentamos e o que se passa no Rio. Trata-se de guerra. A guerra do Rio só será vencida se o governo colocar toda a sua força em combate. Não adianta colocar apenas um terço, um quarto das forças na luta quando se está em guerra. Vivemos esta guerra e saímos vitoriosos. Como vocês querem sair? Ou vocês pensam que não estão em guerra? E, depois, se não usarem as Forças Armadas no combate ao narcotráfico, vão empregá-las em quê? - perguntou Calderón.

O ministro compara Bogotá ao Rio. A capital colombiana, há dez anos tida pelo Departamento de Estado americano como uma das cidades mais perigosas do mundo, hoje está pacificada. A segurança é ostensiva. Há policiais em cada esquina, e uma enorme rede de segurança privada foi montada ao longo dos anos para proteger lojas, restaurantes, hotéis, hospitais, prédios de escritórios e residências.

- A distância que separa Bogotá do Rio é do tamanho da intervenção do governo Uribe sobre a segurança. Conseguimos derrotar o tráfico com completa intransigência, com absoluta intolerância - afirmou Calderón.

Calderón não sabia se receberá o governador Sérgio Cabral, que visitará o país esta semana. Mas afirmou que, se encontrá-lo, insistirá no emprego de todas as forças disponíveis.