Título: Operação sob suspeita
Autor: Eloy, Patricia e Novo, Aguinaldo
Fonte: O Globo, 20/03/2007, Economia, p. 17

NEGÓCIO VERDE-AMARELO.

CVM investiga vazamento de informações na transação de venda da Ipiranga.

Nem bem foi anunciada e a operação de compra das empresas do conglomerado Ipiranga pelo pool Petrobras-Braskem-Grupo Ultra já é objeto de investigação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Há suspeita de uso de informação privilegiada nas operações recentes com ações da Ipiranga. Sexta-feira, os papéis da Ipiranga Distribuidora dispararam 33,33% e os da Refinaria Ipiranga, 8,31%, enquanto a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) recuou 1,27%. O volume salta aos olhos: os negócios com papéis da Ipiranga Distribuidora, que não eram movimentados desde o início de fevereiro, saltaram de R$36 mil no último dia 13 para R$347 mil na sexta-feira. O negócio também gera disputas entre acionistas controladores e minoritários, por causa da relação de troca de ações proposta.

A venda da Ipiranga, uma das maiores transações entre empresas de capital nacional, será submetida ao crivo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Os três grupos assinaram ontem o acordo para a compra, por cerca de US$4 bilhões (R$8,3 bilhões). A negociação começou a ser costurada em agosto e exigiu uma engenharia financeira que só deverá ser encerrada no último trimestre. Dos US$4 bilhões, a Petrobras desembolsará US$1,3 bilhão e a Braskem, US$1,1 bilhão. O Ultra vai emitir ações no valor de US$1,6 bilhão.

Numa primeira etapa, o Ultra vai comprar as ações das famílias controladoras da Ipiranga - Ormazabaal, Tellechea, Gouvêa Vieira, Matos e Aguiar -, que receberão US$1 bilhão em dinheiro. Depois, será feita uma oferta pública pelas ações ordinárias (ON, com direito a voto) de acionistas minoritários. O preço vai corresponder a 80% do preço por ação pago aos controladores. Já os donos de ações preferenciais (PN, com preferência no recebimento de dividendos) trocarão papéis da Ipiranga pelos do Ultra.

- Calculamos a relação de troca pelo valor econômico das empresas, a partir do fluxo de caixa descontado - explicou o presidente do Ultra, Pedro Wongtschowski.

O presidente da Federação das Indústria do Estado do Rio (Firjan), Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, integrante de uma das cinco famílias, disse que a oferta foi "irrecusável". Segundo ele, o grupo ficou diante da necessidade de crescer para competir, ou poderia entrar num processo de fraqueza econômica:

- Recentemente, contratamos o Banco Pátria para nos ajudar na reestruturação. Fomos, então, surpreendidos sobre uma possível oferta. Recebemos a oferta na última sexta-feira, depois de o mercado estar fechado, e tivemos 48 horas para decidir. Assinamos o contrato nesta madrugada (de segunda-feira).

O presidente da Firjan afirmou que a holding de sua família, a Parnaso, que já tentara comprar a Light, está em busca de oportunidades principalmente no setor químico.

A CVM diz que está identificando os envolvidos nas operações e, se confirmado o uso de informação privilegiada, abrirá inquérito administrativo.

- Há indícios fortíssimos de que foi isso que ocorreu. É triste ver uma operação desse tipo manchada - afirmou o presidente da CVM, Marcelo Trindade.

Diretores e investidores que tenham lucrado com a operação podem receber advertência, multa de até R$500 mil e serem afastados do mercado por até 20 anos.

Ultra e Petrobras dividirão os postos

Minoritários donos de ações preferenciais (PN, sem direito a voto) da Ipiranga recorreram ontem à CVM para reclamar do valor proposto para troca dos papéis pelos do Grupo Ultra. Em alguns casos, há diferença de até 4,74 vezes entre o preço das ações PN e ON. Ontem, no fim da tarde, já havia três reclamações formais à CVM sobre os preços das ações e uma sobre vazamento de informações.

- Nunca houve na Bolsa uma diferença tão grande entre ONs e PNs. Ninguém consegue entender que relação foi essa - reclamou Octávio Magalhães, gestor da Guepardo Investimentos, um dos minoritários.

A Hedging-Griffo, que administra os fundos da Guepardo e investe na Ipiranga, promete entrar na briga. O diretor Luís Stuhlberger estaria revoltado com a operação e a falta de laudo de avaliação dos ativos - que foi preparado pelo Deutsche Bank e deve ser divulgado hoje.

O Ultra ficará com a rede de distribuição de combustíveis e lubrificantes no Sul e no Sudeste, mantendo a marca Ipiranga. Já a Petrobras assumirá os postos em Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e terá autorização para usar a marca Ipiranga por até cinco anos. O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, afirmou que espera sinal verde do Cade e não vê um "superprocesso de concentração". Petrobras e Braskem comprarão a Ipiranga Petroquímica, controladora da central de matérias-primas Copesul. A Petrobras terá 40% e a Braskem, 60%. Já a Refinaria Ipiranga será controlada em partes iguais por Petrobras, Braskem e Ultra.

A operação teve repercussão no Congresso. O deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ) enviou requerimento à CVM pedindo informações.