Título: Poupadores brigam por perdas do Plano Collor
Autor: Casemiro, Luciana
Fonte: O Globo, 21/03/2007, Economia, p. 25

Idec lança campanha e pretende conseguir remuneração de 41,28% sobre valor em conta em março de 90.

"Sobreviventes do Plano Collor" é o título da campanha, lançada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em seu site na internet (www.idec.org.br), para reunir assinaturas e pressionar o governo federal a repor as perdas de rendimento impostas pelo Plano Collor aos poupadores que tinham cadernetas com vencimento na segunda quinzena de março de 1990 e tiverem seus depósitos, que superavam NCz$50 mil (cruzados novos), bloqueados. Isso porque as poupanças com aniversário a partir de 16 de março não receberam a reposição inflacionária integral, tendo sido reajustadas entre 1,80% e 7%, contra uma inflação de 84,32%, medida pelo IPC para o período. As que tinham aniversário na primeira quinzena foram reajustadas pelo IPC.

A luta do Idec, a princípio, era pela aplicação do IPC à caderneta, batalha perdida no Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou o BTNF (Bônus do Tesouro Nacional Fiscal) o índice de reajuste a ser aplicado. O Supremo, no entanto, não entrou no detalhe do percentual. E agora, o que os poupadores pedem é a aplicação da variação do BTNF integral de março de 1990, de 41,28%.

- Sustentamos a aplicação do BTNF cheio do mês de março. A campanha pretende sensibilizar o poder público, criando uma aproximação com os poupadores no sentido de oferecer uma resolução para esse problema, o que depende, primordialmente, de vontade política, a exemplo do que aconteceu com o acordo feito para repor as perdas impostas ao FGTS - destaca Paulo Pacini, advogado do Idec.

Banco Central diz que obedeceu a legislação

A partir do abaixo-assinado virtual serão encaminhadas cartas à Presidência da República, à Casa Civil, aos ministérios do Planejamento e da Fazenda e ao Banco Central reivindicando que sejam cumpridos os direitos dos consumidores.

- Emitimos ofício ao Banco Central pedindo que repasse aos consumidores, ao menos, o rendimento integral do BTNF de março de 90. Afinal, o Poder Judiciário já fixou o entendimento de que é o BC que deve responder por eventuais prejuízos nesse sentido, já que os valores estavam à sua disposição, embora o próprio banco alegue até hoje que a disponibilidade dos valores ficou com as instituições financeiras - diz Pacini.

Consultado, o Banco Central respondeu por e-mail que "obedeceu a legislação (Medida Provisória 168, posteriormente convertida na Lei 8.024, de 12.4.90) e, na época, por força da lei, tornou-se depositário dos saldos dos cruzados novos bloqueados em nome das instituições financeiras. Posteriormente, os recursos foram transferidos para as instituições financeiras, atualizados pelo BTN Fiscal. O índice de correção foi aprovado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal."

Há 17 anos, quando o Plano Collor foi lançado, o engenheiro William dos Santos tinha o equivalente a US$130 mil na poupança, fruto de dez anos de economias dele, da mulher e dos seus pais. A quantia, que ultrapassou o limite dos NCz$50 mil, foi reajustada em 5%.

- O intrigante é que quando decidi, por causa da insegurança pós-plano, quitar o financiamento da minha casa, com o pouco que me restou, tive um reajuste de 85%. Já estamos aceitando receber metade do que nos era devido, mas nem assim essa questão se resolve. Fico pensando, o que o governo fez para ter direito à metade do nosso rendimento? - questiona Santos.

Quem tinha NCz$100 mil perdeu o equivalente a mais de R$7 mil

Quando recebeu a última planilha, em 1997, do que teria a receber pelas perdas impostas pelo Plano Collor, conta José da Silva Capello, o montante chegava a R$90 mil.

- Imagina, hoje, em moeda corrente, quanto isso seria? Deixei de realizar negócios, por receio da mudança de governo. Mantive meu dinheiro na poupança, por confiança, e acabei tendo que vender o carro para sustentar minha família. Vi vários amigos a ponto do suicídio, e agora esse assunto caiu no esquecimento - diz Capello, que convoca os brasileiros a participarem do movimento. - O nosso objetivo é ultrapassar um milhão de assinaturas.

Para ter uma idéia das perdas, diz Ruy Quintans, professor de Finanças do Ibmec/RJ, o cálculo é simples.

- Se o reajuste foi de 5%, a perda foi de 80%, comparada ao IPC do período. É lógico que isso trouxe ainda prejuízos para frente, já que os demais reajustes foram aplicados sobre uma base menor do que deveria ser - destaca Quintans.

Pelos cálculos de Miguel José Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), considerando que um cliente tinha na caderneta, em março de 1990, NCz$100 mil, ele teria hoje, se a aplicação tivesse permanecido na poupança, R$18.254,19.

- Entretanto, se tivesse sido aplicado o percentual de 41,28%, correspondente ao BTNF de março de 90, o que deixou de ser feito, ele teria hoje o valor de R$25.789,52, ou seja, R$7.535,33 a mais - exemplifica.

Walter Rosa, também integrante do grupo "Sobreviventes do Plano Collor", reforça a necessidade de combatentes para essa briga e até levanta a possibilidade de um aliado inusitado, o ex-presidente e atual senador Fernando Collor de Mello, baseado em seu discurso, na última semana, no Senado, no dia em que o plano completava 17 anos.

- Quem sabe agora que já confessou seu pecado, Collor se redime trabalhando junto aos poderes para resolver essa questão - diz Rosa, adiantando que o grupo pretende fazer uma manifestação no Senado.