Título: Um abraço em Collor
Autor: Damé, Luiza
Fonte: O Globo, 22/03/2007, O País, p. 3

Lula recebe com afagos o ex-presidente, afastado do Planalto há quase 15 anos.

Legenda da foto: COLLOR, AO chegar ao Palácio de onde saiu pela porta dos fundos em 1992, acusado de corrupção: "O presidente me recebeu com muito carinho, foi gentil, cavalheiro".

Quase 18 anos depois, os adversários no segundo turno da eleição presidencial de 1989 se reencontraram ontem no Palácio do Planalto, quando se sentaram à mesma mesa e se trataram com cortesia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu o senador Fernando Collor (PTB-AL) com um caloroso abraço e logo tratou de falar sobre amenidades, numa tentativa de evitar constrangimentos. Lula começou a conversa comparando a disposição das mesas de despacho na gestão de Collor, no governo Fernando Henrique e agora.

Após duas horas de audiência da bancada do PTB no Senado, Collor deixou o Planalto, de onde saiu há quase 15 anos, em 1992, pela porta dos fundos, elogiando Lula, um dos líderes do processo que resultou no seu afastamento da Presidência.

- Encontrei uma pessoa, um presidente da República, por quem tenho respeito e admiro o trabalho que tem feito - disse Collor, indagado se aquele era um encontro de adversários.

- Foi um encontro que me emocionou. Afinal de contas com os contendores lá atrás em 89 e o gesto do presidente de nos receber, à bancada do PTB, a forma carinhosa como nos tratou, a mim me sensibilizou - disse.

O clima do encontro foi afável. Para quebrar o gelo, Lula perguntou a Collor, afastado da Presidência em outubro de 1992, onde ficava sua mesa no gabinete. E, imediatamente, mostrou onde ficava a de Fernando Henrique, comparando com a disposição atual. A de Collor ficava próxima à janela, onde hoje está uma mesa redonda para reuniões.

- A mesa de despacho é outra, e não está no mesmo lugar de antes - disse Collor.

- Eu tinha que mudar alguma coisa, né? - brincou Lula.

No final, Lula disse que o encontro durara quase a metade do discurso de Collor no Senado, semana passada.

- A sensação que eu tive é que tinha estado ontem com presidente, como se não houvesse esse interregno de tempo em que não nos encontramos. Deu uma alegria grande de poder reencontrar o presidente e restabelecer esse canal. Para mim foi marcante - disse Collor. - O presidente me recebeu com muito carinho, foi extremamente, gentil, cavalheiro e cordato.

Passado ficou fora da conversa

Mas os dois evitaram falar do passado, especialmente do debate do segundo turno nas eleições de 1989:

- Esse filme não passou na nossa conversa - disse Collor.

Foram tratados temas dos estados dos senadores, como a crise de Alagoas, com greves. Lula também abordou a questão ambiental e defendeu projetos de energia renovável.

Collor, vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente, sugeriu que Lula fizesse uma campanha pela criação de uma agência na ONU para cuidar do programa da entidade para o setor. E ainda que defendesse a realização, no Brasil, de uma reedição da Eco 92.

- Ele tem apoio da bancada do PTB no Senado, e a minha contribuição no sentido de que o projeto do governo avance. Estou muito animado com números da economia; são números robustos, consistentes - disse.

Ao chegar à audiência, apesar da voz calma, Collor reviveu o estilo que marcou sua passagem pela Presidência. Disse não ter saudade do Palácio nem vontade de voltar a subir a rampa, mas afirmou que aqueles que o chamaram de ladrão deveriam se calar.

- Pois é, mas essas pessoas têm que calar agora, porque fui inocentado pelo Supremo Tribunal Federal.

Mais cedo, o ex-presidente adiantou que não estava saudosista:

- Foi um bom momento registrado em minha memória, mas nada que evoque um saudosismo tardio.

COLABORARAM Maria Lima e Adriana Vasconcelos