Título: Passado incerto
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 22/03/2007, O País, p. 4

O ex-ministro da Fazenda Pedro Malan tinha a mania de dizer, carregando no ceticismo, que no Brasil, até o passado é incerto. Pois a revisão nos critérios de medição do PIB trouxe do passado más notícias para o governo de que fez parte. Os novos números do PIB, revistos por uma metodologia atualizada do IBGE, representam sem dúvida uma vitória política do governo Lula, e a oposição faz um papel temerário ao lançar suspeitas sobre o trabalho. É claro que há antecedentes de manipulação de números, tanto no Brasil quanto no exterior, mesmo recentes, mas nada indica que seja o caso agora. Esses estudos estavam sendo preparados há muito tempo, e os economistas já esperavam mudanças. O que deixou a oposição em pé de guerra é que os números dos governos Fernando Henrique ou ficaram iguais ou pioraram, com exceção de 1997, que subiu de 3,3% para 3,4%, e os de Lula melhoraram todos.

Mesmo que o PIB de 2006 permaneça em 2,9%, o que é improvável - o número novo sairá na semana que vem -, a média de crescimento do PIB do governo Lula, que era de 2,65%, passa a ser de 3,15%, superando bem a do primeiro governo de Fernando Henrique, que era de 2,57% e caiu para 2,48%. Ainda não é o tal milagre do crescimento, mas em 2004 o PIB cresceu 5,7%.

Lula deve estar lamentando não ter tido esse número nas mãos para propagandear. E pode mesmo alegar que com exceção de 2003, quando teve que arrochar a economia para trazê-la novamente para o equilíbrio, o país cresceu em média 3,5% ao ano.

Continuamos atrás em relação à economia da América Latina, que cresceu no mesmo período a uma média de 4%, do crescimento mundial, que foi de 4,8% ao ano. Mas, passando para o patamar acima dos 3% de crescimento, o Brasil volta a estar no páreo dos Brics, os países que deverão ser as maiores economias do mundo dentro de 30 anos segundo a consultoria americana Goldman Sachs.

Segundo o chefe do departamento de pesquisas econômicas globais do banco, o economista inglês Jim O"Neill, autor da sigla Bric, o Brasil só precisa crescer entre 3% e 3,5% nos próximos 40 anos para ser a sexta economia do mundo em 2050. Já nos consolidamos na décima colocação, com o PIB revisado em US$882,13 bilhões, mas estamos 21,7% abaixo da Espanha, que é o 9º colocado.

Por isso, é pura precipitação do ministro Guido Mantega anunciar que, com os novos números, o país já pode estar entre as 8 maiores economias mundiais. Mas podemos voltar a ser a oitava economia, se crescermos a uma média de 3,5% nos próximos anos, como está previsto na estratégia governamental.

E é possível que cresçamos bem mais este ano com a nova metodologia, que dá mais peso ao consumo das famílias. A demanda por crédito está em alta, com destaque para o crédito consignado, e o reajuste dos valores do Bolsa Família e mais o aumento real do salário-mínimo devem garantir o consumo de baixa renda. A partir daqui, entram as más notícias.

Parte da melhora na colocação do ranking da economia mundial já se devia mais à conversão do câmbio do que à produção de bens e serviços. Agora, pelos novos números do IBGE, ficamos sabendo que o PIB cresceu por que aumentou o consumo, o que dá menos sustentação a longo prazo, e também diminuíram o investimento e a abertura ao exterior.

Junto com a nova série anual do PIB, o IBGE divulgou as novas taxas de investimento, que já eram consideradas baixas quando estavam entre 19% e 20% do PIB, e sabe-se agora, ficaram na média de 16%.

Para o economista José Roberto Afonso, a nova metodologia das contas nacionais nos coloca ainda mais longe da China e dos asiáticos. Ele chama a atenção para o fato de que, ao contrário do que muitos pensam, o que mais cresce por lá são os investimentos; o comércio internacional vai a reboque, não é a locomotiva do desenvolvimento.

José Roberto Afonso dá um exemplo: a China cresceu cerca de 10% no ano passado, mas os seus investimentos aumentaram em quase 30%.

As estimativas são de que o nível de investimento na China está em torno de 40% do PIB. Segundo Afonso, vários teóricos da economia já disseram que é isso que garante uma expansão econômica de melhor qualidade. As novas contas nacionais mostram, na avaliação dele, que o PIB brasileiro é maior, porém, aumentou apenas a gordura - ou seja, o consumo, e não ganhou músculo - como os investimentos.

Em vez de um PIBinho, seria um PIB mais gordinho, porém flácido.