Título: Mais segurança nas favelas
Autor: Pontes, Fernanda e Schmidt, Selma
Fonte: O Globo, 22/03/2007, Rio, p. 15

Plano de urbanização deve tirar 5 mil famílias de áreas de risco e facilitar acesso da polícia.

Legenda da foto: O PROJETO para Manguinhos (ao lado): linha férrea suspensa e amplos jardins na área hoje conhecida como Faixa de Gaza, pela violência; acima, o mesmo lugar durante uma operação policial.

Legenda da foto: AS FUTURAS OBRAS no Complexo do Alemão incluem o reflorestamento de área de pedreira e projeto de integração viária.

Os projetos de urbanização, habitação e saneamento das favelas da Rocinha, de Manguinhos e do Complexo do Alemão prevêem a remoção de cinco mil famílias que vivem em áreas de risco. As cerca de 20 mil pessoas serão reassentadas dentro das próprias comunidades. Um dia depois do anúncio de que quase R$1 bilhão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, serão destinados a favelas cariocas, técnicos iniciaram ontem o levantamento topográfico na Rocinha, cujas obras começam em setembro. Outra comunidade do Rio beneficiada com recursos do PAC será Cidade de Deus, que ganhará R$10 milhões - menos que as outras - em obras somente de urbanismo, como calçamento e paisagismo.

Em Manguinhos, as maiores novidades são a urbanização da Avenida Leopoldo Bulhões e a elevação da linha férrea para 3,5 metros de altura. Conhecida como Faixa de Gaza, por causa da violência, a área terá ginásios, piscinas e jardins. Para isso, as casas junto à linha férrea serão demolidas. O mesmo acontecerá com as construções às margens do Canal do Cunha e do Rio Faria-Timbó.

No Complexo do Alemão, a construção do Parque Serra da Misericórdia, onde funcionava uma pedreira, terá plantio de árvores numa área de 400 hectares. Outra intervenção importante será a integração viária das ruas Joaquim Queiroz e Canitar.

Os planos de desenvolvimento urbanístico do Alemão, de Manguinhos e da Cidade de Deus foram feitos pelos arquitetos Hamilton Casé e Jorge Mário Jauregui.

- Os planos não são remédio para a violência. Mas a abertura de ruas facilita a entrada da polícia e de outros serviços. Com isso, há chance de a violência diminuir - disse Hamilton.

Para Jauregui, os projetos têm como objetivo unir a cidade:

- Não se trata só de colocar canos e asfaltar ruas, mas também de articular a cidade, levando em conta aspectos físicos, ecológicos, ambientais e de segurança.

Projeto da Rocinha será debatido hoje

Na Rocinha, uma das primeiras obras será a construção de prédios de até cinco andares onde hoje funciona uma garagem de ônibus. Para lá, serão transferidos moradores de áreas de risco. Durante as obras, será montado um escritório na Casa da Paz, que está desativada. O início dos trabalhos, ontem, deixou os moradores ansiosos. O cearense Sebastião José Filho, professor de educação física e morador há 35 anos do lugar, disse que só se fala nisso na Rocinha:

- É muito milhão. Minha preocupação é que o dinheiro não seja usado apenas em obras e que alguém se aproveite dele para seu benefício.

O presidente da Associação Pró-Melhoramentos da Rocinha, William de Oliveira, convidou moradores a participar, hoje, da apresentação do projeto do arquiteto Luiz Carlos Toledo na quadra da escola de samba:

- A associação tem procurado secretários de diversas áreas para que o projeto não se limite a obras. Urbanização só não adianta. Os moradores que forem trabalhar nas obras, por exemplo, devem ser conscientizados a voltar a estudar.

Os projetos foram recebidos com entusiasmo por moradores de favelas, arquitetos e urbanistas. Eles temem, no entanto, que as obras não sejam concluídas, como aconteceu em áreas beneficiadas pelo Favela-Bairro e pelo Bairrinho. Outra preocupação é se as intervenções vão contribuir para reduzir a violência.

- As novas obras são bem mais abrangentes que o Favela-Bairro, mas vamos aprender com seus erros e acertos e melhorar o acesso às favelas, permitindo a entrada de ambulâncias, caminhões de lixo e polícia, reduzindo a violência - disse o vice-governador e secretário estadual de Obras, Luiz Fernando Pezão.

Faferj pede material de boa qualidade

Para o vice-presidente da Federação de Favelas do Estado do Rio (Faferj), José Nerson, os novos projetos são bem-vindos, mas devem ser executados com material de qualidade.

- Fizemos um levantamento em oito comunidades beneficiadas pelo Favela-Bairro e pelo Bairrinho e constatamos que 80% das obras foram mal acabadas ou sequer realizadas. Estivemos em dezembro nas favelas Babilônia, Pereirão, Escondidinho, Borel, Juramento, Acari, Parque da Cidade e Caracol - contou Nerson.

- É preciso que essas obras gerem trabalho para nossos jovens, já que a falta de atividade remunerada leva essas pessoas ao crime - opinou o presidente da Associação de Moradores da Grota, Wagner Nicase.

Responsável pela execução das obras nas favelas, o presidente da Empresa de Obras Públicas do estado, Ícaro Moreno, complementou:

- A integração urbanística vai acabar com a barreira imaginária entre o asfalto e a favela - disse Ícaro, que visitou ontem a comunidade Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, onde foi feita uma grande intervenção.

Para o urbanista e arquiteto Antônio Agenor Barbosa, professor da UFRJ, os governos foram omissos em relação à política habitacional:

- O Rio vive o drama da favelização desenfreada nas últimas três décadas. Além de obras, é preciso regularizar a questão fundiária e inserir os moradores no sistema de tributos.

Já Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional do Rio (Ippur), da UFRJ, defendeu uma política global para todas as favelas:

- Os novos projetos demonstram que há uma intenção efetiva de transformar favelas marcadas pela violência em espaços integrados com a cidade, mas as outras também precisam ser contempladas.

Para o prefeito Cesar Maia, o impacto dos projetos na redução da violência depende do tipo de urbanização e da comunidade. Em geral, disse, à medida que a urbanização abre vias na comunidade, os traficantes passam a agir como em bairros, deixando de ostentar armas, por exemplo.

- No caso da Rocinha, que é uma atacadista do mercado de drogas, não haverá mudança, a menos que a polícia passe a ter batalhão e delegacia dentro da comunidade.