Título: Na surdina, deputados se dão até 68%
Autor: Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 23/03/2007, O País, p. 3

Comissão também aprova aumento para o presidente Lula e seus ministros.

Três dias depois de o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), retomar o debate sobre o aumento dos subsídios dos parlamentares, prometendo tratar a questão com transparência, o reajuste foi aprovado ontem, de forma discreta e silenciosa, na Comissão de Finanças e Tributação da Casa. Pelo projeto, os subsídios, corrigidos em 26,49% (inflação dos últimos quatro anos), sobem de R$12.847,20 para R$16.250,42. A comissão aprovou também reajustes para os salários do presidente e do vice-presidente da República e dos ministros de Estado.

A comissão aprovou ainda outro projeto que garante uma espécie de salário indireto de até R$5.416,81, elevando para R$21.667,23 o dinheiro (bruto) que o parlamentar poderá ter em sua conta - neste caso, se aprovado pelo plenário, o reajuste será de 68,65%

Os projetos foram aprovados de manhã, em votação simbólica, com a presença de apenas seis deputados no plenário da comissão. E a intenção era tentar votar ainda ontem no plenário pelo menos o aumento dos subsídios. Para isso, seria preciso conseguir a tramitação em urgência. Chinaglia, contudo, abortou a iniciativa.

Em entrevista à tarde, Chinaglia admitiu que o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), presidente da comissão, havia alertado na véspera que tentaria votar o projeto, respaldado pelo regimento. Ele próprio apresentou os projetos. O presidente da Câmara frisou, no entanto, que qualquer aumento dos subsídios só será levado a plenário com o aval dos líderes partidários:

- Estou tendo de responder por algo que não fiz. A comissão, regimentalmente, pode votar o projeto e ele terá o trâmite na Casa. Agora, há uma outra condução dessa matéria, com os líderes. E na essência, o que conta é a votação em plenário - disse Chinaglia.

Presidente da Comissão, Virgílio prega flexibilidade

Segundo um dos projetos aprovados na comissão, parte dos R$15 mil da verba indenizatória poderia ser paga aos deputados sem a comprovação dos gastos, ou seja, sem a necessidade de apresentação de notas fiscais. Virgílio justificou a medida:

- Uma parcela flexível é importante. Os deputados têm reclamado muito disso. Um táxi que pega e, por exemplo, não pega nota. Imagine a coisa desagradável de um parlamentar aumentar uma nota para compensar outra. É natural ter essa flexibilidade.

Segundo Virgílio, a proposta estende à verba indenizatória o que já é permitido em relação ao auxílio moradia de R$3 mil, que pode ser pago sem a apresentação de notas. O projeto, no entanto, foi repudiado por Chinaglia e outros líderes partidários.

- Pelo que me relataram, a proposta prevê uso de R$5 mil da verba indenizatória sem prestação de contas. Eu sou contra isso - afirmou Chinaglia.

- Isso de pagar parte da verba sem nota fiscal, na minha opinião, não tem amparo legal - acrescentou o líder do PT, Luiz Sérgio (RJ).

Chinaglia admitiu que, inevitavelmente, o reajuste dos subsídios será discutido na reunião com os líderes, terça-feira. Muitos reagiram com surpresa à aprovação da proposta e ninguém quis admitir participação na iniciativa. Mas todos os integrantes da comissão foram avisados de que o aumento seria votado ontem. Virgílio afirmava ter tomado sozinho, sem o aval dos líderes, a decisão de pautar a matéria.

O líder do PTB, Jovair Arantes (GO), disse que anteontem pela manhã houve uma conversa entre líderes da base, dando aval à iniciativa.

- Vamos seguir o rito e discutir com transparência: primeiro a comissão, depois o plenário. Temos que parar de hipocrisia e discutir sem medo. O que a sociedade não suporta é o que é feito escondidinho - disse Jovair.

Os demais líderes da base, no entanto, negam ter participado de tal conversa. O líder do PT endossou a tese de Chinaglia de só voltar a discutir o tema com todos os líderes.

- O que ocorre é que há uma pressão para resolver isso e começam a surgir iniciativas isoladas, um pouco para forçar o colégio de líderes a tomar a decisão - disse o petista.

Alguns deputados viram na iniciativa de Virgílio uma tentativa de blindar Chinaglia e dividir a responsabilidade. Chinaglia reagiu:

- Não preciso de blindagem. Vou conduzir com a responsabilidade que o cargo exige.

Na comissão, a votação foi tumultuada. Os projetos começaram a ser discutidos, mas foram retirados de pauta. Muitos deputados já tinham deixado a sessão quando os projetos voltaram à pauta e foram aprovados simbolicamente. A comissão aprovou também a correção inflacionária dos subsídios do presidente e vice-presidente da República e dos ministros de Estado. Usaram para isso o mesmo percentual de 26,49% (IPCA dos últimos quatro anos). O salário do presidente subiria de R$8.885 para R$11.239. E o dos ministros, de R$8.362 para R$10.578,11.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tentou evitar ontem a polêmica, alegando que o assunto ainda não chegou à Casa. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que é preciso ver o impacto no Orçamento.

COLABORARAM: Cristiane Jungblut e Adriana Vasconcelos