Título: Crescimento frágil
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 23/03/2007, O País, p. 4

O preocupante nos novos números da economia brasileira revelados pelo IBGE é que o crescimento do PIB está montado, nos últimos anos, principalmente no aumento do consumo das famílias e dos gastos públicos, o primeiro em conseqüência do segundo, sem que haja produção de riqueza correspondente, o que só aconteceria se os níveis de investimento e poupança não fossem tão baixos como o revelado.

Para crescer de maneira sustentada, o mínimo necessário seria um investimento público e privado da ordem de 25% do PIB, e nossa realidade é de 16%. Para crescer como já crescemos, e como cresce a Índia hoje, a uma taxa média de 6% ao ano, o nível de investimento tem que ser de 30% do PIB.

A nova metodologia mudou a forma de apurar as contas do governo: antes, estimavam a expansão de algumas atividades públicas pela população; agora, tomarão por base o número de servidores. Como não há dúvida de que o governo Lula aumentou o número de servidores, e por conseguinte também o tamanho da folha de pagamento, os gastos vão subir muito mais. Pelas primeiras análises, o setor público aumentou seus gastos mais do que já se imaginava. Pela metodologia antiga, os gastos do governo ficavam em torno de 1,5% do PIB em média, e agora podem chegar acima de 4%.

Um estudo dos economistas José Roberto Mendonça de Barros e Lídia Goldenstein, já analisado anteriormente aqui na coluna, explica como são esgotáveis, a médio ou longo prazo, os fatores principais para o aumento do consumo das famílias, o que demonstra que as bases de sustentação do crescimento da nossa economia precisam ser revistas em favor de fatores mais permanentes.

O aumento do salário mínimo, que praticamente dobrou a capacidade de compra da cesta básica, está com seu efeito esgotado segundo estudo do economista Marcelo Néri, da FGV, em parceria com a ONU, anulado pelos efeitos negativos sobre desemprego e informalidade.

O "choque do crédito popular" preconizado pelo governo é outra razão, mas tem efeitos limitados sem que aumentem o emprego e a produtividade. Mas esse limite parece longe de se esgotar. O crédito consignado chegou a R$50 bilhões nos últimos dois anos, inclusive os dos pensionistas da Previdência Social, que tiveram aumento real nas suas aposentadorias. Dados do Banco Central mostram que o crédito para pessoas físicas em Janeiro aumentou 2,8% nos bancos públicos e 1,8% nos privados, quando no ano passado o crescimento médio foi de 1,6% ao mês.

Porém, o receio de que a inadimplência crie uma crise nesse setor continua a existir. Segundo a pesquisa de endividamento e inadimplência da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, o número de endividados na cidade de São Paulo atingiu 62% em março. A situação é mais grave entre os consumidores com renda entre três e dez salários mínimos.

A valorização da taxa de câmbio, que barateou o preço dos alimentos e os produtos importados, outro fator importante, continua atuando. O Bolsa Família é talvez o fator preponderante, e já atinge cerca de 11 milhões de famílias, especialmente no Nordeste. Já são investidos nesse programa R$9,5 bilhões, e seu limite é fiscal, mas por enquanto o governo não parece estar preocupado, pois já anunciou que reajustará o valor dos repasses. Estima-se que por mês cerca de R$1 bilhão circule, especialmente no Nordeste.

Alguns desses fatores somados fizeram com que as regiões com maior crescimento de vendas de comércio tenham sido Norte e Nordeste, mas, embora o ritmo continue forte, já há uma desaceleração. De março de 2005 a fevereiro de 2006, a expansão no Nordeste foi de 15%, o triplo da nacional, e atualmente está na faixa dos 10%. O crescimento do consumo popular no ano passado (consumidor com renda mensal de até R$3 mil) foi de 7%.

Um fator importante na sustentação do crescimento desse segmento de consumo popular foi revelado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos): 86% das negociações de reajuste salarial no ano passado obtiveram aumento acima da inflação. Dos 14% restantes, quase todos conseguiram pelo menos a inflação. Foi o melhor resultado desde que se faz esse acompanhamento, há dez anos.

A redução do tamanho das famílias também é considerada uma das razões do aumento da capacidade de consumo das classes C, D e E, e provavelmente por isso o presidente Lula começa a abordar a questão do planejamento familiar, que o novo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, já anunciou como uma de suas prioridades. Mas embora os estudos demográficos demonstrem que as famílias brasileiras estão tendo cada vez menos filhos, ainda temos regiões do país com índices africanos.

Sem que tenha havido um programa oficial do governo, o número de filhos nas famílias brasileiras caiu 60% em 40 anos, saindo de uma média de 6,2, em 1960, para 2,39, em 2000. Mas as disparidades entre as regiões ainda são grandes. Sudeste, Centro-Oeste e Sul estão perto da taxa de reposição, que é de 2,1 filhos. Já o Norte tem a média de 3,16 e o Nordeste, de 2,7. A taxa de fecundidade tem relação direta com a renda e, principalmente, a escolaridade, isto é, com a capacidade de acesso à informação.

A brasileira que vive em famílias pobres- renda per capita inferior a um quarto do salário mínimo - tem média de até 5,3 filhos, comparável a alguns países da África. E a média de filhos de mulheres em famílias de maior renda é de 1,1 filho.

Como não há dados que comprovem uma melhoria na produtividade brasileira para justificar um crescimento maior com menos investimentos, o governo está inflando uma bolha de consumo que tem sérias limitações e não leva a um desenvolvimento sustentado.