Título: No Desenvolvimento, executivo ligado a sindicalistas
Autor: Alvarez, Regina e Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 23/03/2007, O País, p. 5

MUDANÇA NO TIME: Banco foi o segundo maior doador individual da campanha eleitoral do petista em 2002.

Após receber recusas, Lula escolhe vice-presidente do Santander, Miguel Jorge, indicado por Marinho e Meneguelli.

BRASÍLIA e SÃO PAULO. O executivo Miguel Jorge, vice-presidente de Assuntos Corporativos do Banco Santander, deve tomar posse na terça-feira como titular do Ministério do Desenvolvimento, no lugar de Luiz Fernando Furlan. Ele foi convidado para ocupar o cargo anteontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aceitou. Já neste domingo, ele embarca para o Uruguai com o ministro Furlan e uma missão de empresários para discutir com os uruguaios formas de incrementar os investimentos entre os dois países.

Segundo fontes do governo, a indicação de Miguel Jorge chegou pelas mãos de antigos líderes sindicais que hoje ocupam postos-chave, como o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e o presidente do Sesi, Jair Meneguelli. Furlan deu sinal verde para a indicação de seu sucessor.

O presidente Lula desatou um dos nós mais complexos da atual reforma ministerial, que já está em gestação desde o início do ano. Para o cargo ocupado por Furlan, o presidente buscava um nome representativo do setor empresarial. Foram convidados alguns pesos-pesados como Jorge Gerdau e Maurício Botelho, da Embraer, mas eles recusaram o posto.

Novo ministro é formado em jornalismo

O Santander foi o segundo maior doador da campanha de Lula à Presidência em 2002, com R$1,4 milhão (mesmo valor doado ao tucano José Serra) atrás apenas da Coteminas do vice-presidente, José Alencar. Na condição de vice-presidente de Assuntos Corporativos, Miguel Jorge era o responsável por coordenar as doações eleitorais feitas pela organização.

Jornalista por formação, Jorge aproveitou a experiência acumulada nas redações de jornais para atuar como uma espécie de relações públicas entre as empresas e o poder público. Nos 15 anos que passou na Autolatina, manteve a rotina quase religiosa de ir toda quarta-feira a Brasília.

Mineiro de Ponte Nova, Jorge chegou a São Paulo em 1963 para trabalhar na sucursal do "Jornal do Brasil". Em 1966, participou da fundação do "Jornal da Tarde". De 1977 a 1987, foi chefe de redação de "O Estado de S. Paulo". Naquele período, conheceu o então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva.

O próprio Lula costuma relatar um episódio da época. Em 1979, os jornalistas de São Paulo fizeram uma greve. Diante da falta de experiência da categoria, Lula decidiu reforçar o movimento e passou horas sentado na frente do portão do "Estadão" para impedir a saída dos caminhões que levariam o jornal às bancas. Jorge, no lado oposto, tentava manter o jornal em circulação com os profissionais que não aderiram à greve.

Experiência no setor de montadoras de automóveis

Em 1987, Miguel Jorge assumiu a vice-presidência de Assuntos Corporativos e Recursos Humanos da Autolatina, a joint-venture das montadoras Ford e Volkwagen. A convivência com os sindicalistas era pacífica, com alguns atritos. Quando o sindicato se manifestou contra a abertura às importações no governo Fernando Collor, Jorge convidou diretores da entidade para testarem carros importados na Volks no autódromo de Interlagos. Depois do teste, fez um alerta:

- Se não conseguirem fazer carros com esta qualidade, seus empregos estarão ameaçados.

A experiência como jornalista também ajudou no desempenho das funções executivas. Durante uma greve, trabalhadores de uma montadora do ABC depredaram a linha de montagem. Jorge levou a imprensa para ver o estrago.

- Os metalúrgicos passaram de coitadinhos a vândalos - disse um colaborador.

Miguel Jorge foi para o Santander em 2001. No banco, continuou exercendo funções executivas e de relações públicas. Nos períodos pré-eleitorais, costumava montar um escritório para receber políticos que buscavam doações eleitorais. Em 2002, o banco doou R$4 milhões. O número contrasta com R$12 mil declarados em 2006.

O Santander (a exemplo de outras empresas de grande porte) optou pela chamada doação camuflada, uma brecha na legislação que permite doar o dinheiro para os partidos que, depois, o repassam para os candidatos. Assim a empresa não figura nas listas de doadores do TSE e evita desgastes.

Jorge era membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social criado por Lula e do Conselho Consultivo do grupo "O Estado de S.Paulo". Ontem, recebeu dezenas de telefonemas de felicitações. Ele tinha dois motivos para comemorar. Além de ter sido convidado para o ministério, completou 62 anos de idade.

COLABOROU Chico de Gois

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