Título: Ipiranga: 26 na mira da CVM
Autor: Eloy, Patricia
Fonte: O Globo, 23/03/2007, Economia, p. 25

Comissão estima que haja vazamento de informação em 25% das fusões e aquisições.

Já chega a 26 o total de investidores sob investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no caso que apura o uso de informação privilegiada (insider information) na negociação de papéis do grupo Ipiranga, entre os dias 14 e 16. Quarta-feira, a autarquia e o Ministério Público Federal (MPF) conseguiram uma liminar para bloquear contas de dois investidores - um fundo de investimento com sede em Delaware, nos EUA, e um aplicador pessoa física brasileiro - que teriam lucrado R$1,34 milhão com a compra e venda das ações da Ipiranga, sendo R$943 mil o primeiro (lucro de 40%) e R$397 mil o segundo (69% de vantagem). O presidente da CVM, Marcelo Trindade, estima que haja vazamento de informação privilegiada em uma a cada quatro operações de fusões e aquisições no mercado brasileiro - número igual ao da Inglaterra.

Dados da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) mostram que, ano passado, foram registradas no país 74 operações de fusões e aquisições, reestruturações societárias e ofertas públicas de aquisições caracterizadas como fusões. O valor movimentado, de R$131,7 bilhões, subiu 237% sobre 2005, quando houve 55 operações.

A operação de venda da Ipiranga para Petrobras, Braskem e Grupo Ultra só foi oficialmente divulgada segunda-feira, na semana seguinte a uma forte oscilação das ações. Foi a primeira vez, desde que a autarquia foi criada, em 1976, que CVM e MPF obtiveram da Justiça liminar para bloquear contas de suspeitos de uso de informação privilegiada.

Dos 24 novos investidores identificados, 23 fizeram operações consideradas suspeitas com os papéis com direito a voto (ações ordinárias ou ON) da Refinaria Ipiranga. Um outro movimentou papéis similares da Ipiranga Distribuidora. Os nomes não foram divulgados, já que o processo corre em segredo de Justiça. A CVM não conseguiu identificar pessoas diretamente relacionadas aos compradores da Ipiranga. Segundo Trindade, passa de cem o número de pessoas diretamente ligadas à operação e que detinham informações privilegiadas. O fundo de investimentos não vendeu todas as ações, mas o investidor pessoa física, sim, na segunda-feira. Como o dinheiro da venda só entraria na conta três dias depois - ontem, portanto -, CVM e MPF agilizaram o bloqueio das contas.

- Nosso objetivo era evitar que eles lucrassem com a operação - afirmou o presidente da CVM. - Os investigados acertaram no olho da mosca (no preço de compra a um valor baixo), realizando rapidamente seu lucro (com a venda após forte alta), um dos maiores indícios de insider trading: compraram um papel que ninguém queria por um preço alto, e no dia seguinte se descobre que todo mundo deveria querer, e realizam o lucro imediatamente.

As oscilações com os papéis ON da Ipiranga chamam a atenção. Sexta-feira, as ações da Ipiranga Refinaria, que negociavam, em média, R$1,2 milhão por dia em março, registraram volume de R$13 milhões e subiram 8,31%. Já os da Ipiranga Distribuidora dispararam 33,33%. O total negociado, nesse caso, pulou dos R$30 mil diários até o dia 15 de março para R$350 mil. Ontem, as ações da distribuidora ficaram estáveis (0,04%) e as da refinaria subiram 0,41%. Os papéis da Petróleo Ipiranga não registraram oscilação. As ações da Braskem caíram 0,06%, enquanto as da Petrobras subiram 1,38% e as do Grupo Ultra, 1,86%.

Autarquia e Ministério Público proporão indenização para investidores

De acordo Trindade, a primeira fase de investigação deve ser concluída em cerca de 90 dias. Mas, daqui a 30 dias, MPF e CVM vão propor, juntos, uma ação de indenização pública para ressarcir o mercado dos prejuízos decorrentes de informações privilegiadas na negociação de ações com direito a voto da Ipiranga, entre os dias 14 e 16. Os recursos dos insiders seriam usados para compensar eventuais perdas de outros investidores. Segundo o procurador Sady D"Assumpção, o dinheiro bloqueado - R$3,3 milhões do fundo estrangeiro e R$970 mil do aplicador pessoa física - pode ser usado para assegurar a indenização aos investidores que se desfizeram das ações da Ipiranga semana passada.

- Aqui não é a casa da mãe Joana. Quem fizer uso de insider não terá que lidar só com a CVM, mas também com o MP e a Justiça Federal, o que aumenta nosso poder de fogo - afirmou Trindade.

O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, descartou qualquer relação entre a compra da Ipiranga e a decisão da Justiça:

- Não tem nada a ver com a operação. Se alguém se aproveitou de insider information deve ser punido exemplarmente. A Petrobras condena este tipo de comportamento. Confio que a CVM vai descobrir e punir exemplarmente.

COLABOROU Mônica Tavares