Título: Má gestão ameaça o SUS
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 25/03/2007, O País, p. 3

Relatório do Banco Mundial alerta para riscos e sugere fixação de metas de qualidade.

Legenda da foto: PACIENTES EM MACAS num corredor de hospital público no Rio de Janeiro: problemas de ineficiência administrativa comprometem a qualidade do serviço e elevam custos, segundo estudo feito pelo Bird.

Falhas de gestão e ineficiência administrativa pioram a qualidade do atendimento, elevam custos e ameaçam a sobrevivência do Sistema Único de Saúde (SUS), alerta relatório do Banco Mundial (Bird). O estudo condena o excesso de formalismo e a burocracia, com críticas à rigidez dos procedimentos de compras públicas e da legislação para a contratação de pessoal. Adverte ainda para o risco de a qualidade do atendimento cair a ponto de inviabilizar o SUS. O Banco Mundial recomenda que gestores locais e diretores de hospitais tenham mais autonomia. E sugere a fixação de metas de qualidade, com base num sistema de cobrança de resultados, semelhante ao que o Ministério da Educação estuda para o ensino básico.

O relatório foi feito a pedido do Ministério da Saúde e coordenado pelo especialista-líder em saúde do Bird no Brasil, Gerard La Forgia. Foram analisados dados de 2001 a 2003, de uma amostra aleatória de seis governos estaduais, entre eles Rio e São Paulo, 17 prefeituras, 49 hospitais - 33 públicos e 16 privados - e 20 ambulatórios públicos. "A análise dos resultados quantitativos e qualitativos mostra a existência de vários problemas estruturais e de procedimento, que impactam negativamente na qualidade e na eficiência dos serviços prestados pelo SUS, bem como em seus custos", conclui o texto.

Problema maior nos hospitais

La Forgia destaca que o planejamento orçamentário e a elaboração de projetos funcionam razoavelmente bem no governo federal e nas secretarias estaduais. O problema maior está na ponta do sistema, principalmente nos hospitais e unidades de saúde. O relatório resume a situação: "A maioria das unidades públicas de saúde tem pouca ou nenhuma autonomia na esfera financeira e de gerenciamento. Elas não controlam a folha de pagamento, e só gerem parte das compras (...). São incapazes de contratar ou demitir pessoal e muitas vezes têm pouca informação sobre a situação de suas finanças."

Concluído em fevereiro, o estudo tem o título de "Governança no Sistema Único de Saúde do Brasil - Aumentando a qualidade do gasto público e na administração de recursos". Reconhece que o setor de saúde pública avançou nos últimos dez anos no Brasil. Mas adverte para o risco de que a má gestão impeça o SUS de manter a oferta de serviços gratuitos para toda a população. Afinal, considera que a área econômica terá dificuldades para elevar os gastos, enquanto o crescimento populacional e a necessidade de melhorar a qualidade aumentarão a pressão por mais verbas.

Entre as principais falhas de gerenciamento, o relatório aponta a preocupação excessiva com formalidades legais, em vez de resultados. O pior é que planos elaborados, por conta desse formalismo, costumam ser engavetados, segundo o Bird.

- Tem que cobrar resultados dos municípios e dos estados. Não se pode tratar todo mundo da mesma forma. Não estou dizendo para tirar dinheiro de ninguém, mas futuros desembolsos adicionais devem estar vinculados a resultados - afirma La Forgia.

O relatório diz que os procedimentos de compras nos hospitais pesquisados variam de 1,5 mês a 5,5 meses. Como a amostra não é estatisticamente representativa do país, os dados valem apenas para o universo analisado. Em Mato Grosso, por exemplo, a demora é de quatro meses para a compra de material de escritório e limpeza. No Ceará, de um a dois meses para a aquisição de equipamentos hospitalares. Já a prefeitura de Resende (RJ) levava cinco meses para comprar material hospitalar, aponta o texto.

Para o Bird, a ineficiência administrativa tem conseqüências diretas sobre os pacientes do SUS. "A prática de gerenciamento legalista tem sérias conseqüências em termos de atrasos nos processos de compras, levando a falta de material e remédios, custos mais altos na aquisição dessas mercadorias e danos à qualidade do serviço", diz o texto.

O relatório mostra diferenças de até 1.350% nos repasses per capita do Ministério da Saúde para estados e municípios, dentro da amostra pesquisada. A prefeitura de São Paulo, por exemplo, recebeu R$16,69 por habitante, enquanto Sobral (CE) ficou com R$225,55. Segundo o Bird, a diferença está fortemente ligada à disposição das prefeituras de desenvolver programas financiados pelo governo federal, o que pode indicar competência administrativa.

Disparidades nos estados

O texto revela que, em média, as transferências federais correspondiam a 27% dos gastos estaduais e a 45,2% dos municipais. As disparidades no volume per capita de recursos surpreendeu os autores. "Já que as transferências federais têm o objetivo de reduzir iniqüidades, poderia esperar-se uma proporção maior para os municípios menores e mais pobres, com menor capacidade de arrecadação, mas não é o que aparece na pesquisa."

O relatório faz também recomendações para melhorar o funcionamento do SUS: dar mais autonomia às unidades de saúde; firmar contratos com base em metas e objetivos claros; integrar as fases de planejamento, orçamento e análise de informações sobre o sistema para melhorar a performance; estabelecer um sólido sistema de monitoramento e avaliação dos gastos; e profissionalizar os gestores locais no que diz respeito à administração hospitalar.