Título: Jovens pobres passam pela escola, mas não ficam
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 25/03/2007, O País, p. 12

Ensino de baixa qualidade não retém adolescentes, mas iniciativas de ONGs e governos começam a mudar essa realidade Soraya Aggege

SÃO PAULO. Quando os rapazes negros entraram na sala de aula de uma das melhores escolas da Avenida Paulista, um professor os interpelou em inglês. Como nunca tinha visto negros no colégio, pensou que fossem estrangeiros. Não eram. Wilians, Gustavo, Kleber e outros 17 jovens negros e pobres, atendidos por um projeto de uma ONG com a iniciativa privada, são da periferia de São Paulo. Quando entraram naquela escola, ficaram "quase estrangeiros" porque deixaram de fazer parte do Brasil de 4,5 milhões de jovens entre 15 e 29 anos que estão excluídos da escola e do mercado de trabalho, segundo a Secretaria Nacional da Juventude.

No Brasil de Wilians, Gustavo, Kleber, Richele, Débora e os outros desprivilegiados do Geração XXI - programa pioneiro de ação afirmativa na educação, bancado atualmente pelo Banco Itaú e organizado pela ONG Geledés - habitam poucos jovens pobres.

Aulas de reforço, línguas, mesada e auxílio-alimentação

Durante oito anos, eles receberam todo o aporte necessário para a educação de qualidade: escolas particulares de ponta, aulas de reforço, cursos de línguas, mesada, auxílio-alimentação, computador, apoio familiar. O grupo encerra a experiência em 2008, mas alguns já concluíram até a faculdade. A experiência servirá de modelo nacional para iniciativas futuras de políticos e empresários de boa vontade.

- Entendemos que, para fazer um programa de inclusão escolar, é preciso entender a educação como uma ação de longo prazo e investir corretamente - diz a superintendente de responsabilidade socioambiental do Itaú, Sônia Favaretto, ex-superintendente da Fundação BankBoston, que iniciou o projeto e foi absorvido pelo Itaú.

- Não fosse o Geração XXI, eu estaria totalmente excluído. Não teria passado em três vestibulares, me formado em comunicação em multimeios na PUC, nem estaria hoje fazendo especialização. Seria um técnico em alguma coisa, no máximo - conta Wilians Pereira dos Santos, de 22 anos.

No outro Brasil, onde fica a maioria excluída da educação, a realidade de negros e brancos pobres é muito diferente. Nesta semana, a Ação Educativa lança, no Observatório de Educação, um estudo revelador sobre a relação entre a educação e a exclusão. A análise é de que o Brasil de excluídos fica mais ao Norte e Nordeste no mapa nacional e é povoado pelos mais pobres, principalmente negros, camponeses e brancos favelados.

- Hoje temos quase 60 milhões de brasileiros com mais de 14 anos sem ensino fundamental completo. Passam pela escola, mas não conseguem ficar. É o que chamamos de novo tipo de exclusão. E essa exclusão tem cor, raça, geografia. Quem está nas piores condições sociais recebe o que há de pior na educação. Mantido o atual modelo, a exclusão será perpetuada - afirma o autor do estudo e dirigente do Ação Educativa, o pedagogo Sérgio Haddad.

Para Haddad, que presidiu a Associação Brasileira das ONGS, embora governos e ONGs tentem desenvolver programas de ajuda, ainda não há solução no horizonte:

- As ONGs ajudam, principalmente com a geração de modelos, mas a educação só funciona bem com políticas universais. É preciso melhorar muito a qualidade das escolas e, ao mesmo tempo, fornecer mais políticas específicas para os excluídos.

O secretário nacional da Juventude, Beto Cury, concorda com a avaliação:

- O governo tem lançado programas como o ProJovem e começou a recuperar a dívida histórica que tem com os excluídos da educação, mas teremos que ampliar muito os investimentos e também as parcerias com a sociedade civil e a iniciativa privada para melhorar a situação.

Só nas metrópoles a demanda é de 307 mil vagas

O secretário monitora 19 programas do governo destinados à juventude. O principal é o ProJovem, que atendeu 165 mil jovens de 18 a 24 anos que não concluíram a 8ª série e não têm vínculos formais de trabalho, a um custo de R$311 milhões. Cada jovem recebe R$100 por mês para estudar ou se profissionalizar. Mas já há registros de evasão em várias regiões, onde os jovens podem optar por fazer bicos e ter uma renda maior. O balanço final de 2006 ainda não foi fechado. Segundo Cury, só nas metrópoles a demanda é de 307 mil vagas.

O governo tem ainda projetos como o Escola de Fábrica, Consórcio Juventude e Juventude Cidadã. Mas a maioria deles, além de pequenos para a demanda, não monitoram o desempenho nem melhoram as condições escolares.

É o caso do Bolsa Família, na prática o maior do país e que agora estuda a criação de uma poupança escolar, modelo semelhante ao lançado pelo governo de Minas na semana passada. O Bolsa atende 11,4 milhões de alunos, de 7 a 15 anos. Cada um recebe em média R$15 por mês, desde que freqüente 85% das aulas. Em 2006, 10,9 milhões (95%) cumpriram a exigência de freqüência, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social. Segundo Cury, além da poupança, a idéia é ampliar o atendimento para os menores de 18 anos.