Título: Peso do IR para aposentado sobe quase 10 vezes
Autor: Santos, Ana Cecília
Fonte: O Globo, 25/03/2007, Economia, p. 36

Estudo mostra que, em 11 anos, parte do ganho dos aposentados com reajuste no benefício foi engolida por imposto.

Legenda da foto: ENEIDA Simão, aposentada: "O peso é tanto que sou obrigada a dividir o pagamento do IR em parcelas".

A falta de correção da tabela do Imposto de Renda (IR) pela inflação, a partir de 1996, provocou um forte aumento da carga tributária para os aposentados. Um estudo da consultoria Ernst & Young mostra que o peso do IR é hoje quase dez vezes maior do que era há 11 anos para aposentados com menos de 65 anos que recebem o benefício máximo do INSS.

Para demonstrar o impacto do congelamento da tabela do imposto, a consultoria calculou quanto representou a mordida do Leão a cada ano no benefício desses aposentados. Ou seja, a alíquota efetiva. Em 1996, o aposentado que ganhava o teto máximo, de R$957,56, pagava 15% de IR sobre a sua renda. Mas a alíquota efetiva era de menos de 1% (veja quadro ao lado). Hoje o mesmo aposentado, cujo benefício máximo está em R$2.801,82, passou para a faixa de tributação mais alta, na qual o imposto incidente é de 27,5%, e a alíquota efetiva, de 8,76%. Quer dizer, em 11 anos o peso do IR no benefício deu um salto de 871% (9,7 vezes).

Como a tabela do tributo é progressiva, os primeiros R$1.313,69 são isentos do IR. A faixa intermediária do rendimento paga 15% de alíquota e o restante, 27,5%.

Defasagem da tabela ainda é de 44%

Segundo Frederico Good God, gerente sênior da Área Tributária da Ernst & Young, o levantamento mostra que parte dos ganhos reais obtidos pelos aposentados com os reajustes no benefício foi engolida pela tributação.

- Apesar de o aposentado ter tido aumento considerável no benefício, como a tabela ficou congelada por um longo período, a tributação deu um salto de 15% para 27,5%. Se o reajuste da tabela tivesse acompanhando a inflação acumulada no período, ele poderia ter se mantido na realidade de 1996 - explica Good God.

Após seis anos de congelamento, a tabela do IR foi corrigida em 17,5%, o que reduziu um pouco o impacto do imposto efetivo - para 4,84% sobre o benefício. Ainda de acordo com a simulação feita pela Ernst & Young, em 2004, a falta de correção na tabela acabou levando o aposentado, que teve reajuste no benefício, a mudar de faixa, passando a ser descontado pela alíquota mais alta, de 27,5%. Com isso, a defasagem na tabela do IR em relação à inflação elevou a alíquota efetiva (o real desconto mensal sobre o benefício), que pulou para 10,64%.

Nos anos seguintes, com as novas correções na tabela, a alíquota efetiva caiu, mas ainda está em níveis elevados (8,76%). Isso porque o governo não reajustou a tabela pela inflação acumulada em todo o período.

Nesses 11 anos, o benefício máximo da aposentadoria acumulou reajuste de 192,6%, sem descontar a inflação. Mas a correção da tabela do imposto ficou bem abaixo da alta dos preços. Embora o governo tenha mantidos inalterados os valores da tabela do IR, a inflação não deu trégua. Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), mesmo o reajuste de 4,5% aprovado para este ano não é suficiente para corrigir a defasagem da tabela, hoje em 44,04% (considerando a inflação pelo IPCA).

- Pelas estimativas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), não haverá aprofundamento na defasagem, mas ela não será corrigida - critica Álvaro Luchiezi, economista da Diretoria de Estudos Técnicos do Unafisco, destacando que a maior parte da defasagem ocorreu de 1996 a 2002, no governo FH, quando a tabela ficou congelada por mais tempo.

Aposentados: mordida do Leão levou à perda de renda

A professora Eneida Simão, de 54 anos, sente no bolso o peso do IR. Ela reclama que é uma carga a mais para quem já tem queda na renda quando se aposenta. Eneida tem duas fontes de renda e, em ambas, o benefício sofre tributação de 15% na fonte. Mesmo assim, na hora de fazer a declaração de rendimento anual, sempre tem de pagar mais imposto porque as duas rendas somadas a levam ao nível da alíquota máxima de 27,5%.

- Na época em que me aposentei, em 2000, era isenta. Logo depois, passei a ser descontada na fonte e a pagar imposto na declaração de fim de ano. O peso é tanto que sou obrigada a dividir o pagamento do IR em parcelas para aliviar o orçamento. São cerca de R$300 que me perseguem por cerca de cinco meses.

Benedito Marcílio, presidente da Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos (Cobap), considera injusto que o salário dos aposentados sofra tributação tão alta, especialmente para quem já contribuiu durante toda a vida.

- O aumento da mordida do Leão ao longo desses anos levou à perda de uma parte considerável da renda. E o pior é que não há previsão de isso ser corrigido - lamenta.

Para economista, nova tabela traria justiça tributária

O problema, no entanto, não está somente no fato de a tabela não ter sofrido os reajustes necessários pela inflação ao longo do tempo. No Brasil existem apenas três alíquotas de IR: isenção (até R$1.313,69 mensais), 15% (de R$1.313,70 a R$2.625,12) e 27,5% (acima de R$2.625,12). Assim, não é grande a diferença de renda entre o isento e quem paga pela alíquota máxima. Ou seja, quem recebe benefício próximo do teto tem o mesmo tratamento daqueles com renda altíssima. Para o país alcançar a justiça tributária e manter a capacidade de financiar o Estado, o economista do Unafisco diz que é preciso taxar pouco quem ganha menos e muito quem ganha mais. Para isso, seria necessário reformular a tabela.

- O princípio da progressividade deve ser mantido. Mas um estudo técnico mostraria quantas faixas seriam necessárias e quais deveriam ser os percentuais para que a tabela garantisse justiça.

O gerente sênior da Ernst & Young lembra que em países vizinhos a realidade é outra:

- Na Argentina, a alíquota mínima é de 9% e a máxima é 35%. Mas o aposentado de lá nunca vai pagar imposto pela mais alta, pois há sete faixas intermediárias. Lá, normalmente, a classe média é tributada em 20%.

Procurada, a Receita Federal não quis comentar o estudo da consultoria.