Título: 'O sistema punitivo agoniza'
Autor: Carvalho, Jaílton de
Fonte: O Globo, 27/03/2007, O País, p. 3

Superlotação e mandados não cumpridos mostram déficit de 700 mil vagas em prisões.

OBrasil tem hoje uma superlotação de 150 mil presos em cadeias abarrotadas e inseguras; mais de meio milhão de foragidos por causa de 550 mil mandados de prisão jamais cumpridos pelas polícias, como mostrou ontem O GLOBO; e milhares de processos se arrastando nos tribunais, por causa de uma Justiça lenta e inoperante. Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Nicolao Dino, o não-cumprimento de tantas ordens de prisão e a população carcerária excedente nas cadeias públicas são claros indicadores da falência do sistema punitivo do país.

- O número de mandados de prisão não cumpridos é muito elevado. Demonstra que nosso sistema punitivo está agonizante - afirma o procurador. - O número é duplamente preocupante. Os processos em geral são lentos, o que gera uma sensação de impunidade. E os processos que chegam ao fim têm baixa efetividade, porque as ordens de prisão não são cumpridas.

Dino evita fazer críticas diretas à atuação das polícias. Ele diz não saber por que tantos mandados apodrecem nos escaninhos das delegacias de polícia. O déficit no sistema penitenciário é de cerca de 700 mil vagas, se somados os 550 mil mandados não cumpridos com a superlotação de 150 mil presos nas penitenciárias. Se um dia as polícias decidissem prender todos os foragidos, o sistema prisional simplesmente entraria em colapso.

Pelo último censo do Depen, o país tem hoje mais de 401.236 presos. Em 2005, o sistema prisional abrigava 361.402 detentos. Mesmo com o crescente número de mandados não cumpridos, a população carcerária continua aumentando. Pelos dados do Depen, o número de presos cresce, em média, três mil por mês.

- Se a Senasp contabiliza os mandados de prisão não cumpridos em 550 mil, então teríamos um déficit no sistema penitenciário de 700 mil vagas - confirma o diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Maurício Kuehne.

Penas alternativas reduzem problema

Um dos responsáveis pelas investigações do escândalo da Sudam, na década de 90, o procurador Nicolao Dino classifica como espetacular o número de pessoas que escapam de punições, mesmo depois de decisões judiciais sobre os crimes imputados a elas. Até recentemente, acreditava-se que o número de mandados não cumpridos estava em torno de 250 mil.

O professor da Universidade Federal de Minas Gerais Cláudio Chaves Beato, coordenador-geral do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública, partilha da mesma preocupação de Dino. Ele acredita que a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) deveria tornar público um estudo detalhado sobre os motivos do engavetamento das ordens judiciais.

- Eu sempre quis ter acesso a esses dados, nunca foi possível. Precisávamos saber de quem são esses mandados não cumpridos - diz Beato.

O professor foi informado que só em Minas Gerais haveria 70 mil mandados de prisão a serem cumpridos. Para Beato, é possível que nesse conjunto exista mais de um mandado contra uma mesma pessoa ou mesmo ordens de prisão contra criminosos já falecidos. Ele acha que a Senasp precisa apresentar um estudo mais detalhado sobre a impunidade no país.

O crescimento do número de foragidos está ocorrendo em outros países, mas no Brasil o fenômeno é ainda mais acentuado. Segundo Maurício Kuehne, o déficit de vagas só não é mais grave porque, com o incentivo à aplicação de penas alternativas para crimes de baixo potencial ofensivo, tem diminuído o número de pessoas condenadas à prisão.

- Só ano passado tivemos aproximadamente 300 mil penas ou medidas alternativas - disse o diretor do Depen.