Título: Infraero culpa a Aeronáutica
Autor: Doca, Geralda
Fonte: O Globo, 27/03/2007, Economia, p. 17

Setores do governo já admitem que gestão da aviação no país saiu do controle.

Após ser cobrada publicamente por meio de uma notificação do ministro da Defesa, Waldir Pires, a estatal Infraero apresentou ontem um relatório no qual culpa a Aeronáutica pelo último apagão aéreo, provocado pelo fechamento do Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (SP), por 12 horas nos últimos três dias. Em meio a um denso nevoeiro, o equipamento que permite o pouso em dias sem visibilidade (ILS Categoria 2) estava desligado. Segundo a estatal que administra os aeroportos do governo, o conserto, após a queda de um raio em 25 de fevereiro, foi feito no dia 28. Mas apenas na tarde de ontem a Força Aérea (FAB) homologou o sistema, e liberou o ILS - após ter marcado um teste para domingo e ter cancelado sem aviso prévio ou justificativa posterior.

O descompasso entre Infraero e Aeronáutica é mais um dos episódios de desarticulação dos órgãos que cuidam do setor aéreo. Com as últimas ocorrências - são cinco falhas técnicas ou operacionais só em março - setores do governo já admitem que a gestão da aviação civil saiu do controle, tanto na parte técnica quanto do lado dos controladores de vôo, que insistem numa operação-padrão sutil, com controle de fluxo de aviões.

Pires pedirá a Lula uma ação de Estado

Na Aeronáutica e em outros segmentos do governo, a avaliação extraoficial é que a Força não tem mais o mesmo pulso sobre controladores militares, ou seja, não pode punir e aplicar o regulamento para conter o problema da indisciplina porque podem faltar profissionais e o quadro se agravar. Além disso, os oficiais temem que uma prisão (punição para faltas graves) em massa seja o estopim para deflagrar uma greve. Sábado, foi solto o sargento da Aeronáutica Jonas Júnior de Araújo Teixeira, preso após denunciar as condições de trabalho dos controladores, informou o portal G1.

Segundo avaliação do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), repassada a Pires, antes do acidente da Gol os controladores se esforçavam para contornar as dificuldades. Agora, "deixam quebrar", como nas duas panes seguidas no sistema de planos de vôos de Brasília e Curitiba. Os oficiais também não têm o que fazer quando o sistema é fechado, porque o número de aviões em tela supera 14 por profissional.

Pires fará hoje um apelo para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva bata o martelo se vai ou não desmilitarizar o controle do tráfego aéreo. A interlocutores, Pires tem dito que é preciso uma ação de Estado em relação à desmilitarização e à criação de novas regras para a categoria.

A novela do ILS ilustra os problemas. O equipamento foi atingido por um raio e várias de suas placas queimaram. No documento - entregue ao ministro, e que deve ser examinado hoje na reunião de Lula com autoridades do setor aéreo -, a Infraero diz que a FAB, em 5 de março, após o reparo do dano provocado pelo raio, testou o equipamento. Achou falhas e mandou refazer o conserto. Mas o jato que fez a avaliação quebrou.

No dia 12, o sistema estava consertado, e a estatal pediu à FAB para fazer nova homologação. A Aeronáutica informou que as quatro aeronaves HS-800 destinadas a testes - por terem velocidade compatível com os aviões que pousam em Guarulhos - estavam paradas, e seria preciso esperar a disponibilidade de um Bandeirante. "Desde então, a manutenção (da Infraero) aguarda a programação do Geiv (Grupo Especial de Inspeção em Vôo) para a realização do vôo", diz trecho do documento, que lembra que, após esse dia, outras tentativas de agendamento foram feitas, mas não puderam ser cumpridas.

A Infraero diz que foi combinado com a Aeronáutica um teste na manhã de domingo. Porém, a estatal diz ter sido surpreendida pela ordem de mudança de planos da Aeronáutica, que desviou o avião para outra função.

"A manutenção já estava a postos e pronta (...) para dar início ao vôo de inspeção e restabelecimento operacional do equipamento, quando a tripulação da aeronave foi instruída a interromper a missão e se deslocar para Foz do Iguaçu, decolando para aquele destino às 11h33m local, ficando o vôo de inspeção aguardando nova programação do Geiv", diz o relatório, que termina enfatizando que a manutenção de responsabilidade da Infraero é feita em Guarulhos periodicamente.

Se a homologação do sistema tivesse sido feita no domingo, o Aeroporto de Guarulhos não teria sido fechado novamente ontem. O brigadeiro José Carlos Pereira, presidente da Infraero, ligou ontem cedo para o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, e acertou uma solução urgente. Um Bandeirante fez o vôo de teste no início da tarde e o sistema ILS foi aprovado e liberado para uso.

A FAB confirma que teve problemas com os jatos. Mas ressalta que destacou um Bandeirante para o trabalho antes do nevoeiro, só que a averiguação ficou impossibilitada pelo mau tempo. O relatório não isenta totalmente a Infraero. Confirma que os técnicos da estatal levaram três dias para fazer o conserto. Apurar se houve negligência no processo é o alvo da sindicância já em andamento, que deve ser concluída na quinta-feira.

- Aqui pode estar a nossa falha - afirmou um técnico da estatal.

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