Título: 'É natural um negro não gostar de um branco'
Autor:
Fonte: O Globo, 28/03/2007, O País, p. 5

Ministra da Promoção da Igualdade Racial diz que não considera racismo um negro se insurgir contra um branco

BRASÍLIA e SÃO PAULO. Ministra da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Matilde Ribeiro disse ontem considerar natural que um negro se insurja contra um branco. Em entrevista à BBC Brasil, a ministra foi perguntada se, no Brasil, há racismo também de negro contra branco, como nos Estados Unidos.

- Eu acho natural que tenha. Mas não é na mesma dimensão que nos Estados Unidos. Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. Racismo é quando uma maioria econômica, política ou numérica, coíbe ou veta direitos de outros. A reação de um negro de não querer conviver com um branco, ou não gostar de um branco, eu acho uma reação natural, embora eu não esteja incitando isso. Não acho que seja uma coisa boa. Mas é natural que aconteça, porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou - disse Matilde Ribeiro, escolhida ministra para promover, como o nome de sua pasta diz, a igualdade racial no Brasil.

As declarações da ministra provocaram reações. O advogado Ariel de Castro Alves, do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), sugeriu que autoridades como a ministra Matilde Ribeiro evitem comentários como o que ela fez sobre o racismo:

- Isso gera animosidade e não contribui para a luta pela igualdade racial - disse, acrescentando:

- No contexto, o que ela disse, e não só a frase de forma isolada, é compreensível. Mas acho que devemos trabalhar para evitar qualquer tipo de discriminação.

Para o padre Júlio Lancellotti, coordenador da Pastoral dos Moradores de Rua de São Paulo, a frase de Matilde Ribeiro é "historicamente" compreensível mas "humanamente" superada.

- Historicamente todos sabem o que os brancos fizeram contra os negros. Mas humanamente devemos superar a discriminação, seja de que forma for. Tanto que o ministério que ela comanda é o da igualdade racial - disse o padre.

O assessor de Direitos Humanos da Procuradoria de Justiça do Estado de São Paulo, promotor Carlos Cardoso, considerou equivocada a linha de raciocínio da ministra. Segundo ele, a lei que pune o racismo tem como objetivo defender todas as raças das práticas racistas:

- Não acho natural que uma raça se insurja contra outra só porque essa ou aquela (raça) foi vítima de preconceito. Isso geraria um ciclo de preconceito e racismo sem fim.

O presidente da OAB, Cezar Britto, divulgou nota para dizer: "Compreender uma situação é completamente diferente de ter que aceitá-la. Espero que a ministra não tenha aplicado o conceito de compreensão com o de aceitação".

O presidente da OAB, que tomou posse ontem como integrante do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, declarou ainda que aceitar qualquer tipo de preconceito não pode ser medida eficaz no que se refere a essa mesma democracia racial.

Procurada, a ministra confirmou o conteúdo da entrevista, mas divulgou uma nota de esclarecimento na qual afirma que a frase escolhida para ser título da reportagem ("não é racismo quando um negro insurge contra um branco") estava fora de contexto. "A frase aparece de maneira descontextualizada, induzindo o leitor ao equívoco. A ministra deixa claro, no decorrer da conversa, que não está incitando esse tipo de comportamento", diz a nota.

A assessoria de Matilde diz ainda na nota que a afirmação da ministra "apenas reconhece a histórica situação de exclusão social de determinados grupos étnicos no Brasil, prevalente após 120 anos da abolição, que pode, por vezes, provocar esse tipo de atitude, também condenável".