Título: Quem não faz, leva
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 29/03/2007, O Globo, p. 2

Quando uma instituição não atua com a velocidade exigida pelos fatos, uma outra acaba ocupando seu espaço para responder à demanda. Diante da inapetência do Congresso, o TSE, mais uma vez, avançou em direção à reforma política, impondo a fidelidade partidária ao interpretar que o mandato pertence ao partido. Pelo princípio, a medida merece aplauso, mas sua implementação exige cuidado.

O eleitor está farto de eleger seu deputado por um partido para encontrá-lo, a seguir, filiado a outro completamente diferente, não raro, adversário. E migra movido, quase sempre, por interesses nada edificantes. Neste sentido, o TSE foi ao encontro do sentimento do eleitorado.

Já os partidos, ainda perplexos com a ousadia do tribunal e o alcance da decisão, ontem se dividiam entre eufóricos, desconfiados e revoltados. Embora calados, estes últimos. Compraram mercadoria estragada, que podem nem receber, se prevalecer a decisão. Eufóricos estavam os que mais perderam deputados para os partidos da base governista, Democratas (ex-PFL), PSDB e PPS. Todos anunciaram que vão entrar com ações pedindo a posse dos suplentes dos infiéis que recentemente mudaram de partido, trocando a oposição pelo governismo. Aqui surgem as situações que exigem cuidado: isso significa que os "trânsfugas" perderão o mandato, vale dizer, serão cassados. Entre críticos e apoiadores da decisão do TSE, destaque para as observações ponderadas do deputado-juiz Flavio Dino, que diz:

- O princípio está corretíssimo, é tudo o que queremos. Mas precisamos ir com calma na aplicação, evitando uma violência institucional que gere mais distorções, deixando o sistema ainda mais torto.

A perda do mandato por mudança de partido, diz ele, não está entre as situações previstas pelo artigo 55 da Constituição. E a quem cabe, ele pergunta, decretar a perda de mandato: à Câmara? Ao TRE? Ao TSE ou ao STF? Não há resposta escrita. Mais aguda, a seu ver, é a questão da aplicação retroativa da interpretação do TSE, aprovada na terça-feira pelo significativo placar de 6 votos contra um.

Os que mudaram de partido agora - por mais mesquinhas e fisiológicas que sejam suas motivações - o fizeram desconhecendo o entendimento do TSE. Afinal, há anos vivemos nesta casa da mãe-joana. Todos entram e saem quando querem, de onde querem. E nem a reforma política em tramitação prevê medida tão radical. Ela prevê apenas que, eleito por um partido, o deputado fique nele por três anos, só podendo sair quando faltar um ano para o próximo pleito. A interpretação do TSE é mais corajosa, e se prevalecer, produzirá mais benefícios. O ministro Marco Aurélio, presidente do TSE, reiterou ontem que a medida terá vigor imediato, se confirmada pelo STF. Aguardemos, então, a palavra do Supremo.

Para Flavio Dino, estabelecido que nem se deve cogitar revogação da interpretação, cabe agora ao Congresso se redimir (como no caso da verticalização, da cláusula de barreira e do Fundo Partidário), aprovar uma emenda que sane todas as dúvidas.

Ele mesmo é autor de uma PEC que adota a mesma posição do TSE, abrindo porém duas exceções. Não perdem o mandato os que saírem para entrar em partido que está sendo criado, e os que viram seu próprio partido ser infiel - acusação que a senadora Heloísa Helena fazia ao PT. A cada legislatura, haveria uma chance de acomodação, a um ano do pleito vindouro. O certo é isso: o TSE mais uma vez mexeu com os brios do Congresso, desafiando-o a fazer a reforma política. Mas já surgiam ontem sinais de que a Câmara tratará, antes, de assegurar a legitimidade das mudanças já ocorridas.