Título: Relações congeladas
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Fonte: O Globo, 29/03/2007, O Mundo, p. 31

Irã exibe britânicos capturados na TV e revolta governo do Reino Unido que limita diálogo.

TEERÃ

Ogoverno do Reino Unido anunciou ontem que cortou todas as comunicações diplomáticas com Teerã à exceção das referentes à libertação dos oito marinheiros e sete fuzileiros navais britânicos em poder do Irã desde a semana passada. A escalada na crise ocorreu no dia em que vários dos militares aprisionados no Golfo Pérsico foram exibidos na TV iraniana, provocando a revolta dos britânicos. O Irã afirma que os britânicos estavam em águas territoriais do país, o que é negado veementemente por Londres.

Pelo menos quatro dos 15 militares detidos por forças iranianas apareceram comendo em pratos de plástico e aparentavam estar bem de saúde. Em outra cena, eles são mostrados dentro de um bote de borracha em que há uma bandeira do Irã, que mostra, provavelmente, o momento em que eles eram escoltados para a terra firme pela Guarda Revolucionária iraniana.

A única mulher do grupo, Faye Turney, está entre eles nas duas imagens, e também aparece, em uma terceira cena, dizendo que os militares estariam no lado iraniano da foz dos rios Tigre e Eufrates, região conhecida como Shatt al-Arab.

¿ Fui presa sexta-feira, dia 23 de março. Obviamente, nós atravessamos (a fronteira) e entramos nas águas (territoriais) deles ¿ disse Turney, aparentando calma e usando um véu islâmico. ¿ Eles foram muito amigáveis e muito hospitaleiros.

As imagens de Turney, que pilotava um dos dois botes capturados pelos iranianos, provocou fortes reações na imprensa britânica, que a apresentou como uma mãe (ela tem uma filha de 3 anos) aprisionada injustamente. O governo iraniano diz que ela poderá ser libertada hoje.

Teerã: Londres deve admitir erro

Depois da exibição das imagens, a ministra das Relações Exteriores do Reino Unido, Margaret Beckett, demonstrou apreensão com o estado dos marinheiros.

¿ Estou muito preocupada com estas imagens e com qualquer indicação de pressão ou de coerção sobre nosso pessoal, que estava realizando uma operação de rotina de acordo com a lei internacional e sob uma resolução da ONU, em apoio ao governo iraquiano ¿ disse Beckett. ¿ Como deixamos claro para o governo iraniano diversas vezes, esse tipo de uso dessas imagens é totalmente inaceitável.

O ministro da Defesa do Reino Unido, Des Browne, demonstrou uma irritação ainda maior:

¿ É completamente inaceitável exibir nosso pessoal desta forma.

Na manhã de ontem, antes das imagens, o governo britânico apresentara informações detalhadas sobre o que afirmou ser as posições ocupadas pelos militares e do navio no qual estavam embarcados, a fragata HMS Cornwall. Segundo o Ministério da Defesa do Reino Unido, não só o barco mas também cada um dos militares carregavam aparelhos de localização por satélite (GPS). Os dados apresentados mostram que durante toda a operação de vistoria de um navio mercante abordado pelos militares o ponto de maior aproximação deles da fronteira marítima entre Iraque e Irã foi de 1,7 milha náutica, ou 3,15 quilômetros.

¿ Os botes permaneceram durante todo o tempo bem dentro das águas territoriais do Iraque ¿ disse o subcomandante do Estado Maior britânico, o vice-almirante Charles Style.

Poucas horas após a divulgação destes dados, a Embaixada do Irã em Londres divulgou uma nota na qual afirmou que os britânicos foram detidos a 500 metros do lado iraniano da fronteira. Segundo a embaixada, os dados seriam dos aparelhos de GPS dos militares.

O primeiro-ministro Tony Blair afirmou ao Parlamento que chegou a hora de ¿ampliar¿ a pressão sobre o Irã. Angela Merkel, a chanceler federal da Alemanha, país que ocupa a Presidência rotativa da União Européia, afirmou que o bloco dá ¿total apoio¿ ao Reino Unido. Países como Turquia e Arábia Saudita também já declararam que os militares britânicos devem ser repatriados o mais rapidamente possível. Pela primeira vez desde a invasão do Iraque, em 2003, os Estados Unidos enviaram um segundo porta-aviões para o Golfo Pérsico. O USS John C. Stennis chegou ontem à região.

O chanceler do Irã disse ontem à noite que os militares só serão libertados depois que Londres reconhecer publicamente que eles estavam nas águas territoriais do seu país.

¿ A verdade é que os marinheiros britânicos foram presos nas águas territoriais do Irã. Isto deve ser aceito pelo governo do Reino Unido ¿ disse Manouchehr Mottaki à agência Reuters. ¿ O segundo passo é terminar a investigação. Baseado nestes dois pontos, e depois de aceitar estes dois pontos, pode haver o começo da solução deste problema.

Em junho de 2004, oito marinheiros britânicos foram capturados por militares iranianos no Shatt al-Arab. Eles ficaram três dias em poder dos iranianos. Foram exibidos na TV do Irã, na qual admitiram ter errado. Depois de libertados, disseram ter sido coagidos a dar tais declarações.