Título: Irã não cede e amplia exigências
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Fonte: O Globo, 30/03/2007, O Mundo, p. 31

País suspende libertação de mulher e exige que Londres peça desculpas. ONU ameniza declaração.

LONDRES

Acrise entre Reino Unido e Irã atingiu novos níveis ontem, com trocas de acusações entre militares iranianos e o premier britânico, Tony Blair, que buscou o apoio no Conselho de Segurança da ONU e o congelamento das relações diplomáticas entre todos os países da União Européia e Teerã. Os 15 marinheiros e fuzileiros navais britânicos capturados sexta-feira passada continuam presos, e ontem o governo anunciou que a libertação da única mulher entre os prisioneiros, Faye Turney, que fora anunciada anteontem, foi suspensa devido ao "comportamento equivocado" de Londres.

O Conselho de Segurança da ONU aprovou uma declaração branda, na qual diz estar "gravemente preocupado", e pede uma "pronta resolução deste problema". O conselho também solicitou ao Irã acesso consular aos prisioneiros.

O Irã reagiu à declaração: "Este caso pode e deve ser resolvido através de canais bilaterais. A tentativa do governo britânico de acionar terceiros, inclusive o Conselho de Segurança, neste caso não ajuda", disse a missão iraniana na ONU em nota.

Ainda assim, o teor da declaração foi bastante amenizado em relação ao pedido por Londres, que queria que a ONU deplorasse a captura e que fosse pedida a libertação imediata dos presos. As maiores resistências foram de Rússia e África do Sul, que diziam não estar certos se os marinheiros invadiram o território do Irã.

O governo britânico também recorreu à União Européia, que deve se reunir no fim de semana para debater a questão. O principal diplomata do bloco, Javier Solana, afirmou que a captura dos britânicos foi ilegal e exigiu sua libertação. A França, numa demonstração de apoio a Londres, convocou o embaixador iraniano em Paris e exigiu a libertação dos militares.

O comandante militar iraniano, Ali Reza Afshar responsabilizou o governo britânico pelo fato de a marinheira não ter sido libertada.

- O comportamento equivocado daqueles que vivem em Londres causou a suspensão - disse Afshar, referindo-se ao governo britânico, que nega invasão do território iraniano. - Londres deve pedir desculpas por ter entrado em águas iranianas e prometer não fazer isso novamente.

Marinheira pede retirada de tropas

Quarta-feira, a TV iraniana mostrou imagens dos militares capturados, incluindo declarações de Turney com véu e uma carta escrita à mão pela marinheira. O governo e a opinião pública britânicos reagiram com revolta, o que não impediu Teerã de divulgar ontem uma segunda carta da militar. Nela, Turney pede ao governo Blair que retire as tropas britânicas do Iraque.

Especialistas ouvidos pela imprensa britânica afirmam que o estilo no qual a carta está escrita, em inglês, não parece natural, mas mais possivelmente uma tradução de outra língua, talvez o farsi. "Infelizmente durante o curso de nossa missão entramos em águas iranianas. Apesar de nosso erro, ainda assim nos trataram bem e de forma humana, motivo pelo qual eu sou e sempre serei eternamente grata", diz um trecho da carta.

A ministra das Relações Exteriores do Reino Unido, Margaret Beckett, reagiu com indignação.

- Não vimos esta carta, mas temos graves preocupações sobre as circunstâncias nas quais ela foi preparada e divulgada. Esta clara tentativa de usar a marinheira Turney para propósitos de propaganda é escandalosa e cruel - disse a chanceler.

O primeiro-ministro Blair também reagiu com revolta:

- É totalmente errado, na verdade é uma desgraça, que pessoas sejam usadas desta forma. Isso é contrário a leis e convenções internacionais.

O caso da marinheira provocou reações até mesmo nas ruas de Teerã. Ainda que a maioria das pessoas apóie o governo e acredite que o mar territorial do país foi invadido, boa parte diz que ela deveria ser libertada.

- Não seria certo ficar indiferente diante da violação das fronteiras. Mas tampouco é justo que as autoridades não cumpram sua palavra - disse o vendedor de celulares Ahmad Tabrizi. - A menina deve ser libertada.

Ontem, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, disse na TV que recebera um pedido do premier turco, Tayyip Erdogan, para que Turney seja libertada. Ahmadinejad disse que estudará a questão com bons olhos.

Tony Blair garantiu que o Reino Unido aumentará a pressão sobre o Irã. Ele se referiu aos militares capturados como reféns pela primeira vez.

- Temos que aumentar a pressão. É importante deixar claro ao governo iraniano que esta não é uma situação que será resolvida por qualquer coisa exceto a libertação incondicional de nossos cidadãos. O que não se pode fazer é terminar negociando sobre reféns.

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