Título: Aborrecer o governo é lema na BBC
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 31/03/2007, O País, p. 12

Rede britânica, na qual Lula quer se inspirar para criar TV pública, não permite pressões políticas

LONDRES. Se o presidente Lula quiser realmente se inspirar no modelo da BBC para criar a TV pública de alcance nacional, é bom preparar as aspirinas. Mais do que o modelo de financiamento ou a produção de conteúdo, o conglomerado de mídia britânico orgulha-se de sua independência editorial do Poder Executivo, que provoca dores de cabeça nos políticos do Reino Unido, inclusive no primeiro-ministro. Uma das máximas da corporação é que aborrecer o governo faz parte dos estatutos.

Na verdade, eles só exigem garantia de imparcialidade e independência de pressões políticas e comerciais. E a própria estrutura da BBC foi concebida para protegê-la de tais influências. A famosa taxa compulsória anual cobrada dos domicílios britânicos com aparelhos de TV, por exemplo, é remetida diretamente ao conglomerado, sem passar pelo Tesouro - um montante anual de 3 bilhões de libras (aproximadamente, mais de R$12 bilhões). E embora o Ministério da Cultura nomeie o conselho diretor da BBC, seus integrantes precisam ter as mais variadas formações (atualmente há até uma autoridade médica). A rede é financiada exclusivamente pelo imposto compulsório. Recursos do governo bancam apenas a rede de serviço mundial, uma parcela pequena se comparada ao investimento global.

O diretor-geral do conglomerado é escolhido publicamente. Houve mais de 80 candidatos na última vez em que o posto ficou vago, em 2004, quando o então ocupante, Greg Dyke, renunciou por conta da polêmica provocada por uma reportagem da Rádio 4 da BBC, em que o governo era acusado de ter exagerado na ameaça representada por Saddam Hussein para justificar a invasão do Iraque - a corporação acabou criticada, mas obteve uma vitória moral junto ao público.

- A BBC não raramente é bastante crítica em relação ao governo. Na Guerra das Malvinas, por exemplo, houve um grande enfrentamento com a então premier, Margareth Thatcher, que pressionava por uma cobertura mais ufanista do confronto - conta o brasileiro Américo Martins, editor-executivo do Serviço Mundial da BBC para as Américas e a Europa.

Além de canais de TV aberta e a cabo, a BBC tem um portal de internet e uma série de estações de rádio, incluindo as especializadas em minorias étnicas. Há ainda o Serviço Mundial, que produz conteúdo para dezenas de países, incluindo o Brasil, e é o único departamento que recebe fundos governamentais, cujos valores não são divulgados. Há diversos canais pelos quais o público pode emitir opiniões, e o canal de notícias conta com um programa em que um ombudsman avalia a postura da BBC.

- A grande virtude da BBC é a credibilidade junto ao público e à sociedade. O dia em que houver dúvidas disso, ninguém vai querer pagar taxa para financiar sua programação. O ponto crucial é que um serviço público de TV não pode jamais ser porta-voz do governo - completa Martins.

O conglomerado, porém, não está livre de críticas. Os concorrentes comerciais dizem que a taxa é anti-competitiva, e há quem defenda o fim da compulsoriedade. Recentemente, a Ofcom, agência reguladora de mídia do Reino Unido, criticou a qualidade de alguns programas.