Título: Autoridades sob vigilância
Autor: Carvalho, Jaílton de
Fonte: O Globo, 01/04/2007, O País, p. 3

BC determina que bancos monitorem finanças de 14.500 ocupantes de cargos estratégicos.

Numa tentativa de reforçar os mecanismos de combate à corrupção e lavagem de dinheiro, o Banco Central baixou uma circular que obriga os bancos a monitorar contas e movimentações financeiras de autoridades que ocupam cargos estratégicos na administração pública, as chamadas pessoas politicamente expostas (ou Peps, na sigla em inglês). Pela decisão do BC, os bancos terão que vigiar e, se necessário, investigar a origem de recursos movimentados por aproximadamente 14.500 autoridades, segundo estimativa da Controladoria Geral da União (CGU). O número pode chegar a cerca de 50 mil pessoas, de acordo com o BC, porque a circular atinge também os parentes de autoridades. Os alvos do monitoramento vão do presidente da República aos presidentes de câmaras de vereadores das capitais.

Nessa relação de pessoas que devem estar sob permanente investigação do sistema financeiro estão os ministros do governo federal, dos tribunais superiores, dos tribunais de contas, dirigentes de estatais e altos assessores da administração federal. São autoridades que estão em cargos estratégicos e têm poder sobre a aplicação das verbas públicas, os rumos da economia e os direitos individuais. O Banco Central baixou a circular 3.339, com as novas normas, sem fazer alarde, em 22 de dezembro do ano passado. O monitoramento começará a ser feito a partir de 2 de julho.

- Vai haver uma fiscalização maior sobre a movimentação financeira de políticos e outros ocupantes de cargos públicos importantes. Muitas dessas pessoas se sentiam imunes e achavam que podiam fazer o que quisessem. Não é bem assim - afirma um dos técnicos do BC que participou da elaboração do texto.

A circular é assinada pelos diretores de Norma e Fiscalização, Alexandre Tombini, e de Fiscalização, Paulo Sérgio Cavalheiro. Pelo texto, os "bancos múltiplos, os bancos comerciais, as caixas econômicas, as cooperativas de crédito e as associações de poupança e empréstimo devem adotar providências para o acompanhamento das movimentações financeiras de clientes considerados pessoas politicamente expostas". O BC determina que os bancos identifiquem a origem do dinheiro movimentado pelas autoridades "expostas" e por seus familiares.

Cabe aos bancos "identificar a origem dos fundos envolvidos nas transações dos clientes identificados como pessoas politicamente expostas, podendo ser considerada a compatibilidade das operações com o patrimônio dos cadastros respectivos". Ou seja, os bancos terão que saber se os recursos movimentados são compatíveis com os rendimentos e o patrimônio declarados na abertura de contas correntes. Segundo um técnico do BC, um banco poderá até solicitar a outra instituição financeira informações complementares sobre determinada transação.

Por exemplo: se uma quantia é transferida para a conta de uma autoridade, o banco recebedor pode pedir ao banco pagador que identifique quem fez o depósito e de onde vem o dinheiro. A partir dessa investigação preliminar, se o banco desconfiar que o dinheiro tem como origem propina, fraude, corrupção, ou qualquer outro crime, tem que repassar a suspeita imediatamente para o Conselho de Controle de Atividade Financeira (Coaf), por intermédio do Banco Central. Caberá ao Coaf ampliar a apuração e se, confirmados indícios de irregularidades, repassar os dados para que a Polícia Federal e o Ministério Público entrem em ação.

- É uma medida da mais alta importância pelo seu caráter preventivo contra a corrupção. Essa é uma tendência internacional de se fazer o controle mais rigoroso de pessoas politicamente expostas - afirma o ministro-chefe da Controladoria Geral da União, Jorge Hage.

O monitoramento está sendo normatizado pelo BC a partir de uma decisão da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), fórum anual de representantes do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União, do Judiciário, da Polícia Federal, da Receita Federal, da Controladoria Geral da União e da Previdência Social, entre outros órgãos oficiais. O assunto entrou na pauta da reunião da Enccla, em Vitória, em dezembro de 2005, e foi retomado no ano passado, em Ribeirão Preto.

Norma é exigência do FMI e do Banco Mundial

Considerado extremamente delicado, o monitoramento de autoridades dos três poderes foi alvo de polêmica. Alguns órgãos sugeriram a ampliação da lista de autoridades a serem vigiadas. Outros acharam que a fiscalização seria mais eficaz se recaísse sobre um contingente menor. Ao final, se chegou a uma posição intermediária. Com isso, prefeitos e vereadores de todos os municípios - com exceção das capitais - escaparam da fiscalização especial.

O ex-secretário nacional de Justiça Antenor Madruga, coordenador da Enccla desde sua primeira edição, em 2003, explica que o monitoramento das autoridades está previsto na Convenção de Combate à Corrupção da ONU (Organização das Nações Unidas). Essa também tem sido uma exigência do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Segundo Madruga, o monitoramento dificultará a movimentação do dinheiro desviado dos cofres públicos.

- Essa é uma obrigação internacional do Brasil. É uma ferramenta que existe na União Européia e nos Estados Unidos. Não foi o Brasil que a inventou - afirma.

Inicialmente, os bancos reagiram. Diziam que não teriam condições de fazer a fiscalização. Queriam que o BC apresentasse os nomes das pessoas a ser investigadas. O BC não aceitou a proposta. A partir daí, a Federação Brasileira dos Bancos decidiu que, para cumprir as novas normas, fará um cadastro único com os nomes das autoridades expostas e seus familiares. Os bancos que não atenderem as exigências estarão sujeitos a processos administrativos e às punições previstas na lei 9.613, a lei antilavagem.